A coligação governamental já nos tinha mostrado que gosta de aproveitar alturas de acalmia para tentar passar o camelo pelo buraco da agulha. Depois do episódio da segregação das creches e das crianças, aprovado em período de Verão, surgem os casos e casinhos de dezembro, abafados pela música natalícia.
No dia 9 de dezembro, a RTP Açores transmitiu uma alegadamente grande entrevista com o atual presidente do Governo Regional. A partir de uma sumptuosa sala do Palácio da Conceição, Bolieiro sentou-se numa elegante poltrona, espraiado num aposento profundamente decorado, para falar a dois jornalistas sobre o estado da nossa Região.
Apesar de encontrarmos várias opiniões, comentários e até editoriais que nos tentam vender que aquele foi um discurso muito interessante, a verdade é que quem perdeu o seu tempo a assistir a tudo o que foi dito rapidamente constatará que o senhor Presidente fez jus à escola da mítica rábula dos Gato Fedorento: falou, falou, falou, e não disse nada.
Sobre a pobreza galopante, remeteu os seus eleitores mais fragilizados para debaixo do tapete. Os problemas nas escolas são culpa dos preguiçosos assistentes técnicos, que insinua recorrerem a baixas fraudulentas. Com a SATA, diz que não há problema algum, basta que as e os contribuintes paguem a dívida e deixem o resto privatizar. Aproveita-se e privatiza-se já mais uma série de empresas públicas.
Basta ver os bons exemplos dos CTT ou da EDP, para percebermos que privatizar nunca falha. Na saúde, o hospital novo é coisa para se tratar daqui a uns anos, talvez a tempo das próximas eleições regionais.
Foi no campo da vergonha alheia que Bolieiro mais deu a quem assistiu à sua entrevista. Principalmente quando reafirmou a ligação umbilical da sua coligação ao partido de André Ventura. É com eles que o PSD vai contar nos Açores.
Na ilha Terceira, o episódio da semana passada foi outro. Bem mais trágico-cómico, diga-se de passagem. A 10 de dezembro, Artur Lima e António Ventura anunciaram, por via da comunicação social local, que tinham chegado a um consenso acerca de três possíveis nomes de candidatos à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo nas próximas eleições autárquicas. Desde logo, transmitir tal informação, da forma que foi feito, é no mínimo duvidoso, para não dizer mesmo questionável, de um ponto de vista da imparcialidade jornalística. Mas a trama adensou-se quando, ainda no mesmo dia, se veio a descobrir que as pessoas que foram supostamente propostas não só não sabiam que tinham sido indicadas pela coligação como não tinham qualquer interesse ou disponibilidade para encabeçar a futura lista de políticos locais.
O que parece ter acontecido remete-nos antes para uma manobra de mágico de cartola. António Ventura, que é tido como o mais provável candidato há largos meses, decidiu apresentar na sua mão direita um conjunto de três nomes bem conhecidos da praça pública de quem vota em Angra. Enquanto as pessoas debateram a validade de cada uma das três hipotéticas nomeações, a opinião pública foi criando uma súbita expetativa de mudança. Afinal de contas, seriam nomes que não estavam previstos. A coligação apresentava perspectiva de renovação e futuro!
Mas não. Era apenas um passo de magia barata. Mais cedo, ou mais tarde, aguarda-se que Ventura venha anunciar que, como ninguém quis aceitar o desafio, lá terá ele que assumir aquele perigoso risco e dar o corpo ao manifesto. Quererá o secretário da agricultura ficar visto como um mártir, que deixa o atual cargo entregue às muitas nomeações que fez ao longo dos anos, para se sacrificar em nome da Câmara Municipal.
É uma jogada palaciana sem grande criatividade, que se espera que passe entre os pingos da chuva de dezembro.
Temerosos tempos em que vivemos, quando se colocam a público os mecanismos de bastidores de outrora. Para se perceber a escolha de um putativo presidente de câmara, verifica-se que a estratégia foi a de confundir a opinião pública, lançar o caos e aparecer como soldado do sebastianismo vindo das brumas insulares. Quem estiver atento, rapidamente vai perceber que não é muito diferente do que se está a passar na ilha do Corvo, vizinha das minhas Flores. Fica o aviso à navegação. Não bastará poder passar receitas, para se ter a receita certa para aquele pequeno, mas nobre município. Saibamos estar atentos e votar com dignidade. As autárquicas já começaram e com possíveis intoxicações amorosas.
Oxalá não se acabe as refeições com o copo de vinho e uma colher de glifosato.