Os habitantes da ilha açoriana de Santa Maria preservam a tradição de comer milho cozido no Dia de Todos os Santos, o que contribui para ajudar os produtores na comercialização e na preservação da variedade regional do cereal.
Na ilha de Santa Maria existe a tradição secular de os seus habitantes cozerem grão de milho para consumo nesta data.
“Dia de Todos os Santos que não tenha milho cozido, não parece ser Dia de Todos os Santos, é a tradição. A gente está sempre à espera daquela altura do ano [os Santos] para cozer o milho. Sempre me lembro de ser assim”, disse hoje à agência Lusa Ana Braga, de 61 anos.
Esta habitante da ilha de Santa Maria desconhece a origem da tradição, mas cumpre-a anualmente neste dia, dando continuidade ao hábito que recebeu da mãe e da avó.
Ana Braga contou que põe sempre o milho de molho, em água, “uns dois dias” antes do consumo, “que é para ele ficar mais inchado, para cozer melhor” na panela.
“[O cereal] leva ainda umas boas horas a cozer e vai-se sempre pondo água, porque a água vai acabando e, depois, quando ele está todo aberto, vê-se que ele está cozido e come-se”, explicou.
O “milho dos Santos” não leva qualquer tempero na cozedura e o sal é adicionado “quando a gente está comendo”: “Por acaso eu gosto com sal, mas o sal é posto na hora em que a gente está comendo”.
Segundo a moradora, o cereal é consumido ao longo do Dia de Todos os Santos e a qualquer hora.
“As pessoas comem ao lanche ou de manhã. Por acaso a gente [aqui em casa] costuma comer ao lanche ou à noite, ao serão”, disse.
Este ano, Ana Braga espera cozer três quilos de milho “para dar para várias pessoas” e para oferecer a uma amiga “que não coze”.
A venda de milho para o Dia de Todos os Santos foi incentivada há cerca de três anos pela Agromariensecoop – Cooperativa de Produtores Agropecuários da Ilha de Santa Maria e a sua procura “tem vindo a crescer”, segundo o presidente da direção.
“Nós [cooperativa], como temos por missão também apoiar as produções locais, temos alguns produtores, já poucos, infelizmente, que produzem milho e ajudamos desta forma a escoar e a vender esse milho e, por outro lado, a promover a tradição do milho cozido pelos Santos”, disse hoje Duarte Moreira à Lusa.
A cooperativa vende sacos com um quilo de milho por 3,90 euros a unidade.
A venda começou há cerca de três anos e “tem vindo a crescer”.
“Este ano já é o ano em que vendemos mais milho”, contou.
Pelas contas do dirigente, nesta época, na ilha de Santa Maria, são atualmente vendidas “duas ou três centenas de quilos de milho” pelos produtores, nas superfícies comerciais e na loja da Agromariensecoop.
O cereal comercializado para este fim “é um milho tradicional dos Açores, é um milho antigo”.
“Não é dos milhos híbridos, não é do milho que se faz para a alimentação do gado, do milho híbrido. É um milho de uma variedade que chamamos a variedade regional. É um milho branco, grado, o grão é grande e é um milho que ainda vai subsistindo na nossa ilha”, especificou.
Duarte Moreira referiu que há outras ilhas do arquipélago que têm a mesma variedade de milho, “se bem que ele tem vindo a desaparecer com a entrada dos milhos híbridos mais produtivos, mais resistentes às condições climatéricas e também pelo facto de os Açores serem uma região de produção de gado, leite e carne, [são] milhos adaptados à silagem”.
Com a evolução do setor agroalimentar, e por os habitantes da ilha terem deixado praticamente de fazer pão em casa, “os milhos regionais, menos produtivos, tiveram tendência a desaparecer” e a cooperativa tem “por missão ir preservando esses milhos”, acrescentou.
A ilha de Santa Maria é a terceira mais pequena do arquipélago e em 2023 tinha 5.418 habitantes, de acordo com a base de dados Pordata.
A tradição de comer milho cozido pelos Santos também se estende a outras ilhas açorianas.