PUB

Quando Donald Trump, atual presidente dos EUA, anunciou a sua intenção de regressar à Casa Branca, fê-lo com a habitual retórica inflamada e um estilo vincado que o caracteriza relativamente à sua autoconfiança. Entre muitas outras promessas grandiosas, frequentemente associadas ao movimento MAGA, Trump destacou-se por uma: se fosse eleito, acabaria com a guerra na Ucrânia em 24 horas. Como tantas outras frases, como tantos outros soundbites que marcaram o seu primeiro mandato, esta foi recebida com aplausos notoriamente entusiásticos por aqueles que o apoiavam e com descrença evidente por parte de outros.

Esta promessa revelou, na minha ótica, uma banalização algo perigosa daquilo que é o cenário geopolítico internacional, nomeadamente no que às relações diplomáticas diz respeito, na medida em que os atores políticos envolvidos desafiam tudo aquilo que sejam soluções simplistas.

Desde o início do conflito entre Ucrânia e Rússia que Donald Trump tem feito declarações erráticas sobre a invasão russa. Numa fase inicial do seu atual mandato, o presidente dos EUA optou pelo ceticismo em relação à narrativa ocidental. Em vez de optar por condenar de forma categórica a agressão russa, optou por outro caminho. Sublinhou os erros da NATO e insinuou que a Ucrânia também tinha a sua quota parte de responsabilidade, o que demonstra que Trump vê o mundo em termos de força e de capacidade de manobra, negligenciando princípios basilares da vida em comunidade.

PUB

O presidente dos EUA apostou tudo na ideia de que a guerra seria de curta duração e que a sua ausência da Casa Branca seria o principal motivo para a sua continuação. Como em tantos outros temas, a explicação era centrada na sua figura: se ele lá estivesse, tudo seria resolvido num ápice. Todavia, a realidade mostrou-se mais resistente do que Trump.

O facto é que a guerra se prolongou, e prolonga-se no tempo e tornou-se cada vez mais sangrenta e complexa de resolver. A lição para o mundo, e particularmente para Trump, tem a ver com a bravura e tenacidade do povo ucraniano. O apoio militar dos EUA e da Europa mantém-se, embora com crescentes sinais de fadiga, sobretudo nos setores mais populistas do espectro político internacional. No fundo, o fim do conflito continua a escapar, desmentindo a ideia de que bastaria um “bom negociador” para o resolver.

Trump pensa, sobretudo, na sua popularidade. Começou a perceber que Putin está longe de conseguir uma vitória rápida e de que o apoio à Ucrânia continua a ser um tema mobilizador no eleitorado. Isto fez o presidente dos EUA rever a sua estratégia. Passou de chamar louco a Zelensky para dizer que é Putin que está completamente fora de si.

A pergunta impõe-se: será que esta nova postura de Trump representa uma mudança real de posição ou é apenas mais um gesto tático, ao sabor do vento? A resposta mais provável parece-me ser a segunda. Como sabemos, Trump não é conhecido pela coerência ideológica, mas sim pela sua capacidade de adaptação. Quer reposicionar-se e continuar a ser o homem forte capaz de enfrentar tanto Russos como Chineses.

A postura de Trump perante a guerra é sintomática de algo mais profundo… a sua total ausência de visão estratégica no xadrez político internacional. Para ele, a política externa é apenas mais uma arena para performance, um verdadeiro reality show. Ao contrário de outros líderes internacionais que, apesar dos defeitos que possam ter, tentam construir alianças, manter equilíbrios e gerir interesses a longo prazo. Para o presidente dos EUA, tudo se resume a negócios. Há sempre uma solução rápida, uma jogada de bastidores, um acordo capaz de resolver tudo.

A guerra na Ucrânia não pode ser apenas um negócio. É uma tragédia humana que envolve o destino de um país soberano. Envolve também o equilíbrio e segurança de toda a Europa. Reduzir este conflito à falta de liderança do seu antecessor é manifestamente perigoso. É verdade que a guerra está a testar os limites da solidariedade mundial. É verdade que há falhas na política ocidental. Mas também é verdade que não se constrói uma paz duradoura sem verdade, sem consistência e sem princípios.

Trump pode continuar a mudar o discurso conforme a audiência e as preferências do eleitorado, mas a realidade teima em não seguir esse guião. Num conflito onde morrem milhares, onde estão em causa liberdades fundamentais, não pode haver espaço para improviso. Ao contrário de Trump, a realidade não usa soundbites. O presidente dos EUA prometeu acabar com a guerra num dia, de Zelensky a Putin, Trump já chamou todos de loucos, talvez esteja na altura de olhar para o espelho.

PUB