Alexandra Manes

Em abril, do corrente ano, Luís Montenegro discursou na sua tomada de posse, enquanto primeiro-ministro de Portugal. Visivelmente nervoso, como é natural, o político cor de laranja falou ao país sobre a necessidade de reforma, de crescimento, de alternância, sem necessidade de perseguição, oprimir ou afastar qualquer pessoa. Falou da importância da educação, da necessidade de meritocracias e da reavaliação dos investimentos, para ir mais além do que simplesmente beneficiar amizades partidárias.

Cerca de um mês volvido, o novo executivo estava imerso numa catrefada de polémicas dignas de corar o mais desenvergonhado político da nossa praça, ainda que Miguel Relvas tenha mantido a postura no seu novo papel de comentador televisivo. Os jornais e os noticiários apregoaram a mensagem de medo que mais se ouvia nos bastidores.

Montenegro largara a trela, e dera carta branca para uma purga interna capaz de transformar a política portuguesa conforme a conhecemos.

Não foi muito diferente das histórias que já abordei, sobre Miguel Albuquerque e a Madeira, com o acréscimo de aqui o propósito ser de limpeza ideológica, face à oposição direta. As pessoas ligadas ao PS foram alegadamente e sistematicamente afastadas de cargos de coordenação e direção. Os motivos, deixo ao critério dos advogados e dos processos que foram abertos. Mas, sabemos que se discutem, neste preciso momento, casos de abusos e vinganças baratas que deverão arrepiar quem ainda tem um pingo de moral.

Iniciava-se assim uma revolução do pensamento cultural, tingida a laranja e azul-claro, com Montenegro na liderança, Paulo Rangel, Nuno Melo e Paulo Núncio na ponta da lança, e André Ventura e os amigos, na sombra, a enviar mensagens cada vez menos subtis e mal codificadas, com um só propósito: a função pública é para extinguir.

Em outubro, do corrente ano, quando tomamos conhecimento de mais um conjunto de propostas desastrosas para o futuro do país, é impossível não refletir no percurso destrutivo de Montenegro, novo paladino neoliberal, mandatado para a destruição da administração pública, conforme a conhecemos, na senda do seu mentor, Pedro Passos Coelho.

Nesse mês, é anunciado por via da comunicação social que o governo de Montenegro prepara um novo pacote reformista, na linha da já proposta estratégia demolidora, que espelha a sua falta de visão para o setor público. Enquanto bom neoliberal, Luís é defensor do estrangulamento de tudo o que seja parte do Estado e que não envolva ligações ao setor privado, com vista a permitir a privatização, acabar com a equidade de acessos a serviços básicos e estratificar ainda mais a sociedade civil.

Naquele dia, as notícias informaram-nos da intenção de reformar o regime de doenças aplicado ao setor público. E o regime das férias. E, mais grave ainda, o da greve. Onde quererá Montenegro chegar com estas mudanças em mente? Recordamos o tempo do seu amigo Passos Coelho, quando desapareceram os merecidos subsídios de Natal, ou quando o trabalho passou a custar uma hora adicional, sem que para isso os funcionários públicos recebessem mais. Receberam menos, na verdade.

Os tempos do senhor mais troikista do que a Troika parecem agora dias de saudosismo, porque ainda assim recordamos o preço do azeite com alguma nostalgia poetizada. É que Luís ainda não começou a trabalhar ao estilo de Pedro, porque permanece preso ao populismo do André, mas, entretanto, já se aproveitou da minoria absoluta que tem para dar início à fatal quebra de um dos principais pilares da nossa sociedade. Sem o setor público, Portugal mergulhará de cabeça num mar de privados sem regras, onde a mão invisível do mercado servirá apenas para se enrolar em torno dos nossos pescoços, sem dó nem piedade.

Exemplo claro dessa complacência é a forma como foi tratada a RTP, conforme já o disse. Mas, também, a forma como se fala de alterar o programa da disciplina de cidadania, sem explicar os motivos para tal, sem ser com citações de publicações que o ministro viu nas redes sociais.

O que é que interessa o parecer dos profissionais da educação que tentam desesperadamente assegurar que o ministério continuará a funcionar minimamente bem? O senhor Ministro é doutorado em economia e, portanto, estará perfeitamente capacitado para aplicar as doutrinas de Adam Smith na destruição do ensino público.

Assim caminha também o trabalho da senhora ministra da saúde, que defende uma mudança estrutural no serviço público, maneira fofinha de advogar a sua privatização.

Na cultura, o licenciado em teologia, João Soalheiro, defende a criação de novas ferramentas para a privatização do património cultural, em paralelo com o despedimento coletivo de praticamente todos os cargos de chefia técnica, por motivos que ficaram por explicar publicamente.

Uma viagem pelos gabinetes de Montenegro e do seu governo encontraria muitos mais casos assim. É que Luís é da escola do madeirense Albuquerque e, caso lhe deixem, parece que está preparado para fazer o mesmo que os seus colegas vão fazendo na Madeira, que é como quem diz, está pronto para enfraquecer o público, amigar o privado e construir um novo país de castas, purgas e paranoicos cidadãos. As únicas pessoas que o podem impedir somos nós.

Em jeito de nota final, ficou clara a irrelevância que a coligação açoriana tem para Luís Montenegro, na sua intervenção, no Congresso laranja. Ao contrário do que foi apresentado, pelas suas cores regionais, avançou com as duas mãos cheias de nada, numa tentativa clara de iludir a população residente nestas ilhas. Anuncia a baixa do valor da tarifa das viagens, para território nacional, deixando de fora a reinvindicação da Autonomia: acabar com a imposição de o teto máximo de 600 euros e o pagamento do valor da viagem, na sua totalidade, e só mais tarde ser ressarcido através do Subsídio Social de Mobilidade.

Para quem se arroga de conhecer todos os concelhos do país, claramente não percebeu as especificidades de quem vive em ilhas. Não temos ferrovia e somos uma Região pobre!

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