Uma percentagem “não negligenciável” da taxa de abstenção nas eleições regionais nos Açores deve-se ao sobrerrecenseamento, mas não há empolamento dos cadernos eleitorais, que têm qualidade, disseram à agência Lusa dois investigadores.
José Santana Pereira – que, com João Cancela, coordenou o estudo “Afinal, quantas pessoas se abstêm em Portugal? Magnitude, causas e propostas para a abstenção técnica” – explicou que, segundo a investigação, “o desvio entre o número de residentes na Região Autónoma dos Açores com 18 ou mais anos, de acordo com os Censos, e o número de recenseados como eleitores era, em 2021, de 17 pontos percentuais”.
“Trata-se de um valor muito superior à média nacional – 11,4 pontos – e similar ao encontrado para a Região Autónoma da Madeira e para os distritos do interior norte de Portugal continental”, referiu José Santana Pereira, salientando que “isto leva a que parte não negligenciável da taxa de abstenção nas eleições regionais nos Açores seja devida a esta componente de sobrerrecenseamento”.
Segundo o professor associado no Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do ISCTE, no estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (que tem ainda como autor João Bernardo Narciso), “ao tentar perceber as razões deste sobrerrecenseamento”, excluiu-se “um empolamento dos cadernos eleitorais”.
O investigador referiu, a propósito, a permanência no registo eleitoral de pessoas que, na realidade, não residem na região, “mas mantêm no seu cartão de cidadão, como morada oficial, um endereço numa das ilhas deste arquipélago”.
Sendo os Açores marcados, “desde sempre, por fenómenos de emigração, esta explicação pode fazer particularmente sentido neste contexto”, afirmou José Santana Pereira.
Mais de metade dos cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais dos Açores não votou em cada uma das legislativas regionais realizadas desde 2008, com o recorde de abstenção, de 59,15%, a registar-se em 2016, de acordo com os mapas oficiais dos resultados das eleições para a Assembleia Legislativa dos Açores publicados em Diário da República.
Segundo o docente do ISCTE, há “uma componente desta taxa de abstenção que constitui abstenção técnica, no sentido em que decorre de uma diferença entre as pessoas recenseadas como eleitoras” na região e “os adultos que de facto ali vivem, de acordo com os Censos”.
“Se olhássemos para os números da abstenção nas regionais açorianas de 2020 tendo em conta este desvio, a taxa de abstenção baixaria dos 54,6% para cerca de 45%”, apontou, reconhecendo, contudo, que se trata, “ainda assim, de um valor bastante elevado”.
De acordo com o investigador, “aqui podem entrar os suspeitos do costume nos modelos explicativos da abstenção, tais como o interesse pela política, os recursos para a participação política, a competitividade e a perceção de importância da eleição”.
A abstenção nas regiões autónomas, acrescentou, “não tem sido muito estudada, frequentemente por falta de dados de natureza individual (os inquéritos académicos tendem a recolher dados apenas em Portugal continental, por motivos de conveniência)”.
“No nosso estudo ‘Mecanismos e Impactos da Abstenção Eleitoral’ pudemos recolher dados também nas regiões autónomas [e] os resultados serão publicados no final deste ano”, acrescentou o docente, frisando que a abstenção nos Açores “é real e bem real, mesmo olhando para os números expurgados do impacto do sobrerrecenseamento”.
João Cancela, professor auxiliar no Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, rejeita uma eventual falta de qualidade dos cadernos eleitorais.
“O registo eleitoral português é de qualidade. As reformas no recenseamento eleitoral realizadas nas últimas décadas garantem que fenómenos como a permanência de eleitores falecidos, os eleitores fantasma, tenham perdido relevância face a, por exemplo, a década de 1990”, declarou.
Por outro lado, “as duplas inscrições também são virtualmente impossíveis”. Também segundo João Cancela, “há um número muito significativo de pessoas que, tendo emigrado, não procede a uma mudança da sua morada oficial e, consequentemente, não passa a estar recenseada no estrangeiro, algo que afeta em particular zonas do território com um forte peso da emigração, como sucede nos Açores”.
Há indícios recolhidos noutros países sobre os fenómenos meteorológicos extremos, evidenciando que podem aumentar a abstenção, mas “tal não sucede tipicamente com variações mais típicas (precipitação moderada, por exemplo)”.
“Sabemos também que, quanto maior a oferta de mesas de voto, mais as pessoas votam, sobretudo as de grupos com pouca mobilidade”, disse, ressalvando não possuírem dados específicos sobre o caso dos Açores que permitam fazer uma avaliação do impacto destes fatores.
Porém, indicou, uma tendência geral que se pode, “ainda assim, apontar é que quanto mais disputada e incerta a eleição, maior o incentivo a votar”.
As eleições legislativas regionais antecipadas dos Açores realizam-se no dia 04 de fevereiro, com 11 forças políticas a disputarem os 57 lugares do parlamento regional.