Daniela Silveira, Gestora de Projetos

Em plena silly season, o cenário político dos Açores foi abalado pela confirmação da, já velada, coligação PSD-Chega. Com a aprovação da proposta do Chega, com o apoio dos Sociais Democratas (PSD), que discrimina crianças dos 6 meses aos 3 anos ficou claro como água, que o partido que deitou o último governo de Bolieiro abaixo é agora quem o segura pelas orelhas. Enquanto o Chega mantém a sua postura previsível, o apoio do PSD a esta medida levanta sérias questões sobre a responsabilidade moral e ética dos seus representantes eleitos. A aprovação desta proposta evidencia uma preocupante falta de consideração pelo interesse superior das crianças, substituindo-o pelo interesse de algumas crianças consideradas “superiores”.

O Chega, fiel à sua retórica populista, está focado em políticas que dividem mais do que unem. No entanto, não deixa de ser chocante ver o PSD, um partido tradicionalmente moderado, apoiar esta medida. Este apoio alinha-se com uma tendência histórica das políticas de direita, que colocam interesses económicos e administrativos acima das necessidades humanas e sociais. Ao aprovar esta proposta, o PSD Açores demonstrou uma desconsideração pelas famílias açorianas, agravando as desigualdades já existentes na região, a região mais pobre do país!

A taxa de desemprego nos Açores ronda os 6%, um valor que o PSD considera uma vitória. Este número apenas contabiliza as pessoas que estão efectivamente inscritas no centro de emprego, as outras que por múltiplas razões não estão inscritas e desempregadas, não entram nesta equação. Não é possível distinguir aqueles que são “malandros” e aqueles que, de facto, lutam para encontrar emprego num mercado de trabalho no mínimo desafiador. A retórica que desumaniza os desempregados, sugerindo que são preguiçosos, é por si só ignorante, e releva para segundo plano as complexidades socioeconómicas que muitas pessoas enfrentam. Esta visão simplista e preconceituosa não resolve os problemas subjacentes e apenas serve para estigmatizar ainda mais aqueles que estão na procura activa de trabalho.

Uma das medidas introduzidas pela coligação, com apoio do Chega e da Iniciativa Liberal, foi o encerramento de jardins de infância, nas ilhas com menos população, e a transferência de crianças dos 3 aos 5 anos para a pré-escola nas escolas públicas, com a intenção de abrir mais vagas em creches no sector privado, representado pelas Santas Casas da Misericórdia. Esta decisão foi implementada sem o devido planeamento e investimento. As escolas públicas ficaram sobrelotadas, incapazes de oferecer um ambiente adequado para tantas crianças, e as instituições que anteriormente davam resposta a essa faixa etária não remodelaram infraestruturas, não aumentaram as vagas em creche nem contrataram mais profissionais. O resultado foi um aumento nas listas de espera e uma pressão insustentável sobre os ATL’s – Centros de Actividades de Tempos Livres, estabelecimentos sociais que acolhiam crianças a partir dos 6 anos, e agora acolhem a partir dos 3 anos.

Esta medida política falhou. Falhou o seu objetivo de criar mais vagas em creches, como também deixou muitas famílias sem suporte adequado. Pais que trabalham encontram-se sem alternativas viáveis, pois as escolas públicas só funcionam, por exemplo, num horário das 9h às 15h, um horário que não cobre a jornada de trabalho típica de 35 a 40 horas semanais. Sem acesso a jardins de infância privados, e sem vaga em ATL, muitos pais são forçados a deixar os seus empregos.

O assunto ganhou destaque em toda a imprensa nacional e internacional, foi assunto de programas de debate político nos principais canais generalistas. Nem mesmo os comentadores de direita conseguiram defender a posição do PSD Açores.

Luís Montenegro e o PSD Nacional tem vindo a distanciar-se das acções de José Manuel Bolieiro e do PSD Açores, este gesto de dissociação sublinha a gravidade da situação. A aprovação da proposta do Chega, com o apoio do PSD Açores e da coligação, é um reflexo preocupante das prioridades políticas actuais nos Açores. Em vez de promover o bem-estar das crianças e famílias açorianas, cede-se novamente ao lema “dividir para reinar”. O interesse superior da criança deveria ser sempre a prioridade, mas, infelizmente, parece ter sido relegado a favor de políticas que atendem apenas a interesses mais estreitos e menos altruístas. Presunção e água benta, cada um toma a que quer e esta coligação negativa pecou por defeito.

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