A Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) denuncia manobras impróprias para atacar o juiz de instrução que interrogou os três arguidos suspeitos de corrupção na Madeira e acabou por decidir libertá-los após três semanas de detenção.

“Sem prejuízo do escrutínio livre e democrático da ação da justiça, inteiramente legítimo e salutar, são impróprias todas as manobras, vindas de onde vierem, visando descredibilizar publicamente o juiz, seja para obter vantagem no processo ou por qualquer outra razão. Os casos judiciais não são ‘guerras’ entre sujeitos processuais nem se decidem nas páginas dos jornais ou nos programas de televisão e rádio”, denunciou hoje em comunicado.

A deliberação do conselho geral da ASJP surge na sequência de uma nota divulgada na sexta-feira pela Procuradoria-Geral da República (PGR), na qual contestou o entendimento do juiz Jorge Bernardes de Melo de não haver indícios de crimes do agora ex-autarca do Funchal Pedro Calado e dos empresários Avelino Farinha e Custódio Correia, lembrando que outros cinco juízes de instrução tinham anteriormente tomado decisões sob a convicção de existirem indícios criminais.

O Ministério Público (MP), que tinha pedido a prisão preventiva dos três suspeitos, lamentou nessa mesma nota a demora do interrogatório e assumiu que as procuradoras do caso alertaram o juiz para dar maior rapidez aos trabalhos e fizeram uma exposição ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), que, entretanto, já descartou a abertura de um inquérito a Jorge Bernardes de Melo.

A ASJP admitiu a sua “estranheza e preocupação” com a demora do interrogatório e o “tempo excecionalmente longo e excessivo” que os três arguidos estiveram detidos, mas rejeitou a condenação pública do juiz sem se esclarecer a situação e assinalou que o despacho das medidas de coação é passível de recurso para a Relação de Lisboa.

“Não tendo sido ainda conhecidas as causas processuais dessa demora, quem lhes deu origem e em que medida, até que sejam apuradas, é no mínimo leviano e precipitado tirar já conclusões e atribuir responsabilidades”, vincou o organismo sindical, que reiterou ainda a importância de ser feita “uma ponderação sobre as práticas e as normas aplicáveis” para evitar a repetição de situações como a do caso da Madeira.

Nos últimos dias, vários órgãos de comunicação social tinham noticiado também que uma procuradora do caso tinha sido testemunha contra o juiz de instrução num processo disciplinar há alguns anos, quando Jorge Bernardes de Melo ainda não estava no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).

Sobre esta matéria, o CSM respondeu à Lusa que “nada consta no registo disciplinar do juiz” e que, “a ter existido, terá sido cancelado nos termos do artigo do estatuto que prevê esse cancelamento após determinado lapso temporal”, invocando “o direito ao esquecimento”.

Perante este contexto, a ASJP veio realçar que o atual sistema de colocação dos juízes assenta em concursos anuais com classificações de serviço e antiguidade, pelo que “garante, à partida, que todos os juízes têm a qualificação necessária para o exercício das funções que lhes estão legalmente atribuídas nos processos sob a sua responsabilidade”.

A PJ realizou, em 24 de janeiro, cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias, sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.

A investigação atingiu também o então presidente do Governo Regional da Madeira (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, que foi constituído arguido e acabou por renunciar ao cargo, o que implicou a demissão do executivo madeirense.

 

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