Uma coligação pós-eleitoral e acordos de incidência parlamentar com dois partidos estreantes no hemiciclo formaram nos Açores, em 2020, uma ‘geringonça’ à direita que não resistiu até ao final da legislatura, mas conseguiu ver aprovados três de quatro Orçamentos.
As legislativas açorianas estavam previstas mais para o final de 2024, mas a reprovação do Plano e Orçamento para este ano, em novembro passado, alterou o cenário político.
Após ouvir os partidos e reunir o Conselho de Estado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, optou pela dissolução do parlamento regional e pela marcação de eleições em 04 de fevereiro. O cenário de regionais antecipadas já estava, contudo, no horizonte.
Em outubro de 2020, o PS venceu as eleições no arquipélago, mas perdeu a maioria absoluta, após 24 anos de governação, e formou-se uma maioria alternativa à direita. O social-democrata José Manuel Bolieiro acabou por tomar posse como presidente do XIII Governo Regional, formado por PSD, CDS-PP e PPM, referindo o diálogo como “o fermento e o cimento” da sua equipa.
Para indigitar o executivo, o representante da República na região, Pedro Catarino, exigiu acordos por escrito da coligação pós-eleitoral e dos apoios de incidência parlamentar com o Chega e a IL (neste caso, assinado apenas pelo PSD).
Dos 57 assentos do hemiciclo, os três partidos do Governo Regional conquistaram 26, ficando dependentes de mais três parlamentares para ter maioria absoluta, conseguida com os dois deputados do Chega e com o eleito da IL. Juntas, as restantes forças – PS (25 deputados), BE (dois) e PAN (um) – obtiveram 28 lugares.
Foi precisamente com os 29 votos favoráveis da direita que o Orçamento dos Açores para 2021, de cerca de 1.900 milhões de euros, foi aprovado meses depois. PS e BE votaram contra e o PAN absteve-se.
A votação final decorreu após a discussão de 45 propostas de alteração. Entre elas, foi aprovado por unanimidade um aumento do complemento regional de pensão proposto pelo Chega.
O primeiro momento de tensão surgiu menos de um ano depois das eleições, quando, em julho de 2021, o deputado do Chega Carlos Furtado abandonou o partido. Porém, garantiu que manteria o apoio ao Governo Regional, na condição de independente.
O seu compromisso confirmou-se, inclusive, na votação favorável ao Plano e Orçamento dos Açores para 2022. Chega e IL ameaçaram votar contra, mas acabaram por votar a favor, ao verem aceites condições impostas, por exemplo, ao nível de apoios sociais às famílias e de endividamento da região. PS, BE e PAN deram o voto negativo aos documentos.
A votação do Orçamento para 2023 divergiu apenas no caso do PAN, que, com o seu apoio, elevou para 30 o número de votos favoráveis, enquanto socialistas e bloquistas repetiram a sua posição. Este terceiro Orçamento de José Manuel Bolieiro chegou ao parlamento sem as ameaças de chumbo do ano anterior, mas, ainda assim, o presidente do executivo deixou apelos à “estabilidade política” numa altura de “tantas crises”.
Foram então discutidas perto de 40 propostas de alteração, tendo sido aprovadas 10 da IL e uma do BE. Foram chumbadas as restantes iniciativas do Bloco, bem como as do PS e a do PAN, que no dia anterior reconheceu a necessidade de “ajustar convergências” num “contexto difícil” de crise energética e inflação.
A crise atingiu também a dimensão política em março de 2023. Em plenário, na Horta, o eleito da IL, Nuno Barata, anunciou o fim do acordo assinado com os sociais-democratas, criticando a “falta de capacidade” do PSD para “promover a devida estabilidade junto dos seus parceiros de coligação”.
Seguiu-se, na mesma sessão, um anúncio semelhante do deputado independente Carlos Furtado, com queixas de “incumprimentos e falta de respeito institucional”.
Em novembro, dias antes da discussão do Plano e Orçamento para este ano (2.000 milhões de euros), os anúncios do sentido de voto de vários partidos permitiam já antecipar um chumbo dos documentos, confirmado com os votos contra de IL, PS e BE e as abstenções de Chega e PAN. O eleito independente, ex-Chega, votou a favor.
Nas vésperas da votação, o líder nacional do Chega, André Ventura, salientou que o partido “não procurou a instabilidade nos Açores”, mas tentou, “juntamente com o PSD, que fossem cumpridos os compromissos que tinham sido assumidos”.
Esta é a primeira vez na história da autonomia dos Açores que um mandato do Governo Regional não é cumprido até ao fim.