Alexandra Manes

Já há algum tempo que se tornou habitual utilizarmos a expressão “atípico” para descrever os doze meses que tradicionalmente antecedem uma passagem de ano.

2024 não foi exceção. Foi, realmente, um ano fora do comum. Continuaram os conflitos internacionais de grande peso para o resto do mundo, agora acompanhados pela reeleição de um dos mais perigosos autocratas a tomar o poder em anos recentes, nos Estados Unidos. Janeiro começa com a sua cerimónia de tomada de posse, e com as primeiras medidas, entre as quais está prometida a deportação de milhares de pessoas, algumas delas açorianas, ao que já foi possível apurar pelas autoridades competentes.

Fica, desde já, uma mensagem direta aos gabinetes responsáveis: preparam-se, pois neste ano será necessário reforçar a estratégia de acolhimento dos que regressarem e vai ser preciso redobrar o trabalho de cidadania, para combater a xenofobia e a radicalização a que vamos assistindo no mundo inteiro.

Ao nível da política mundial, continuou o descalabro extremado, com as forças moderadas na Alemanha e em França a perderem o pouco terreno que lhes restava para a direita e, principalmente, para a extrema-direita de cariz marcadamente fascista. Graças às debilidades de liderança de Macron, a única alternativa que parece viável a França, é a de Le Pen, filha do ódio.

A Olaf Scholz, só lhe resta preparar as malas e rezar para que não seja a AfD a tomar conta do seu assento, porque senão o Reichstag corre o risco de arder uma vez mais.

Tudo isto para chegarmos ao grande acontecimento internacional de 2024. Elon Musk, e os restantes oligarcas, saíram do armário. Ao longo dos últimos dez anos, uma força de bilionários e cabecilhas dos grandes negócios das armas, da tecnologia e da destruição social, foram preparando e assumindo posições estratégicas enquanto ideólogos das forças disruptivas do extremo político. Nos últimos meses do ano que abandonamos, Musk finalmente deu a cara e disse ao que vinha. Deseja destruir a democracia e construir um novo regime, onde o Dinheiro seja Deus, os pobres sirvam os ricos, e a sobrevivência social seja um privilégio dos subservientes. Milei, na Argentina, já segue essa filosofia, com um “sucesso” que a Iniciativa Liberal deseja replicar em Portugal.

No nosso país, foram muitos os acontecimentos atribulados. A saída de António Costa, por questões já esquecidas e nunca comprovadas, levou a que Montenegro tenha sido eleito, mesmo que com uma minoria considerável, ficando refém de acordos parlamentares. Assim, o país seguiu o resto do ano a meio gás, com novas catástrofes na saúde, na educação, na cultura e na habitação. Os preços aumentam, as tágides no Tejo clamam pela saída de Moedas, mas o PSD está, de facto, instalado nos três assentos da governação, em Lisboa, Ponta Delgada e… Bem, a coisa no Funchal parece que não funcionou bem assim. Albuquerque passou metade do ano a fugir ao assunto, enquanto dormitava nas suas férias à beira-mar e a ilha da Madeira ardia. Apanhado no meio do fumo levantado pelos serventes de André Ventura, o PSD-Madeira vai agora enfrentar a maior crise política da sua história, sem saber bem o que fazer, conforme já o atestou em sucessivas e infelizes entrevistas, nos últimos dias.

2025 será o ano em que terão de se resolver esses problemas, mas também os problemas autárquicos, em geral. Esse será o momento para avançar com todos e mais alguns projetos de obras. Promessas de grandes eventos, investimentos eternos e colaborações nunca vistas. Mercados municipais que ficaram por fazer, despedimentos coletivos apenas evitados pela força do movimento cidadão. Portos mal construídos ou sequer imaginados.

Tudo isso é fado que se esquece nessa época. Afinal de contas, é altura de eleições, a campanha já começou, e António Ventura já foi engomar o fato, para os devidos efeitos, e já deve sonhar em tornar o centro histórico de Angra do Heroísmo numa feira agrícola permanente.

Aqui pelo arquipélago, os grandes acontecimentos de 2024 foram demasiados para as linhas que se seguem. Destaque, desde logo, para o aumento da discriminação social, com as recomendações aprovadas no que concerne ao acesso às creches nos Açores. Assim, o que 2024 apresentou como mais marcante, nos Açores, terá mesmo sido o cimentar do pacto de regime entre o PSD e o chega. Não podemos olhar para este ano sem sublinhar esse facto incontornável.

A coligação que governa a região já pouco tem de CDS. Muito mais é o que une Bolieiro a Pacheco do que aquilo que em tempos foi dito que os separava. Essa realidade continuará em 2025, e até ser útil fazer cair o governo açoriano, como aconteceu na legislatura passada e, agora, na Madeira.

Ignorar essa realidade vai levar à destruição da nossa democracia e, no entanto, parece que é o que desejam muitas e muitos que votam no PSD e nos seus aliados periféricos.

2025 vai ser um ano atípico. Já se está mesmo a ver. O que se espera é que mais pessoas comecem a questionar a opressão a que se se tem assistido, cá, como lá.

Não me canso de dizer que somos nós, em comunidade, que temos a força para obrigar à mudança. Por isso, os votos para o novo ano não são de sucesso e prosperidade. São de união, pensamento-livre e luta. Muita luta, que é o que estamos a necessitar.

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