Angra do Heroísmo

Em Angra do Heroísmo, nos Açores, os 50 anos do 25 de Abril são comemorados em junho, com desfiles e marchas populares, nas festas Sanjoaninas, que arrancam na sexta-feira, com o tema “Angra: teu nome é Liberdade”.

“Não há dúvida nenhuma de que é precisamente entre o povo e com a linguagem do povo que o 25 de Abril dialoga melhor. O lugar do 25 de Abril é numa marcha de São João. É o seu lugar por excelência”, afirma, em declarações à Lusa, o escritor Joel Neto, natural da ilha Terceira.

As festas concelhias de Angra do Heroísmo celebram o São João durante 10 dias, com música, desfiles, touradas, gastronomia, artesanato, exposições, desporto e marchas populares, entre outras atividades.

Na noite de São João, vão desfilar pelas ruas da cidade, decoradas com cravos vermelhos, 37 de 42 marchas populares inscritas, o número mais elevado de sempre.

Pela terceira vez, Joel Neto e a mulher, Marta Cruz, vão integrar a marcha oficial das Sanjoaninas, a primeira a descer a Rua da Sé, mas este ano assinam também a letra, que tem como título “O cravo que te dou no São João (persiste urgente amar e transgredir)”.

“Investem dois fascistas aspirantes/ E trazem o semblante do ardor/ Mas tu não és lugar de ditadura/ És Angra, és mulher: não passarão/ O ódio, a propaganda, a censura” serão alguns dos versos cantados.

Joel Neto admite que a letra é mais extensa do que a de marchas anteriores, mas garante que quase todos os marchantes já a têm na ponta da língua.

“Uma coisa agradavelmente surpreendente foi que durante os ensaios percebemos rapidamente que nós éramos as pessoas que pior sabiam a letra de cor. Eu ainda me engano às vezes nalguns versos e a maior parte dos marchantes fez um esforço sistemático para fazer face a essa exigência que a letra tinha, que era ser muito extensa, e para estar à altura do momento que é a celebração dos 50 anos do 25 de Abril”, conta.

O jornalista e escritor, que viveu duas décadas em Lisboa, regressou em 2012 à ilha onde nasceu e há dois meses abriu uma livraria no centro da cidade, que é Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês).

Foi desafiado pelo município de Angra do Heroísmo a propor um tema para a edição de 2024 das Sanjoaninas e achou que “não havia outra proposta possível”.

“O 25 de Abril é a data mais importante de toda a história de Portugal. Dá início a um período de paz e prosperidade sem qualquer paralelo remoto sequer na história de Portugal. É a data mais formidável, mais dotada de esperança, com maior capacidade de fazer as pessoas sonhar”, justifica.

Para o escritor, é “particularmente urgente” celebrar a data num momento em que se veem por todo o país “sinais crescentes de condescendência para com o regime que o 25 de Abril veio extinguir”.

“Evidentemente que estes setores da sociedade são ainda amplamente minoritários, mas estão a crescer e é importante contê-los. E nós vamos contê-los celebrando a vida, que é a maneira como a Terceira faz as suas grandes transformações. A Terceira, como dizia noutro dia o meu amigo Carlos Enes, paga as suas promessas fazendo festas. E também sensibiliza as novas gerações fazendo festas, como as Sanjoaninas deste ano comprovam”, salienta.

Segundo Joel Neto, faz sentido celebrar a Revolução de Abril numa cidade que por tradição sempre foi mais “aberta ao mundo e à diferença”.

“No fundo, as Sanjoaninas estão a fazer o que sempre fizeram e sempre fazem, que é celebrar aquilo em que a cidade é especial. Angra é uma cidade compassiva, integradora, curiosa, hospitaleira e sempre o foi mais do que qualquer outra cidade açoriana e, inclusive, do que a maior parte das outras cidades portuguesas, pelo menos da província”, explica.

Na noite de domingo, o escritor, que nasceu no ano da revolução, vai comemorar o 25 de Abril a desfilar numa marcha popular, uma tradição que quer manter nas Sanjoaninas.

“É o terceiro ano em que nós saímos e agora esperamos sair sempre, a não ser no ano em que não nos queiram. E mesmo assim havemos de nos oferecer às marchas todas até que alguma nos aceite”, brinca.

PUB