Alexandra Manes

Antero de Quental foi um dos mais importantes entre nós, no Portugal de oitocentos, seja a nível político e social, seja cultural. Ainda hoje, as suas palavras ecoam nas mentes de muitas pessoas que desejam dar continuidade à sede do poeta em continuar a beber do santo Cálice da filosofia. Não é difícil traçar uma linha entre as palavras do ilustre micaelense e as ações de uma conterrânea sua, que nasceu anos depois, e veio a marcar o país com o seu Botequim e as suas acutilantes intervenções. Imbuído do espírito de questionamento que caracteriza todos os estudantes da lusa Atenas, Antero promoveu centenas de tertúlias onde se discutiu tudo e o seu contrário, em busca da luz perdida que se desejava reencontrar no século XX que se avizinhava.

Os mais pessimistas dirão que aquela geração de 70 falhou, e que o fogo que tentaram atear extinguiu-se com a bala que Antero disparou naquele banco de jardim junto à esperança perdida. Não creio que isso seja inteiramente verdade. Mas, no entanto, há reverberações daqueles tempos passados que ainda hoje ecoam nas nossas ruas e assembleias. Os Açores, à semelhança do resto do país, assistem à ascensão de uma classe política e económica que marcha com tiques de absolutismo, falando-se de D. Miguel e Salazar, à porta fechada, e falando-se de Trump à porta aberta, sem medo de qualquer represália.

Há muitos bafientos senhores, bem como algumas senhoras, que se sentam às mesas de praticamente todos os partidos portugueses e que contribuem para a destruição da coletiva consciência do país e, no nosso caso concreto, do arquipélago.

Em tempos, Antero de Quental apresentou as suas teorias sobre as causas que levaram à decadência dos povos peninsulares. Apresento-vos algumas das situações que decorrem da total decadência da nossa Região.

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, onde trabalhei durante anos, e que conheço de forma bastante próxima, transformou-se de 2020 em frente. Achegada de uma nova maneira de não fazer política foi uma machadada nos trabalhos e na maneira de ser de quem tenta fazê-los. Se Luís Garcia se tem comportado com muito mais dignidade que Aguiar Branco, em Lisboa, a verdade é que os esforços do presidente não são suficientes para conter as vergonhosas declarações que vão sendo feitas por deputados e deputadas, sejam elas em formatos de aparte, sejam mesmo para o microfone ligado.

Não justificará perder o tempo de quem me lê com grandes dissertações sobre a pobreza de espírito e de gramática, bem como falência moral, de algumas das intervenções e momentos deprimentes em quase todas as bancadas do parlamento regional. A decadência alcançou pessoas que exercem funções naquela câmara há décadas. Espalhou-se como um vírus e baixou o nível de exigência. As afirmações que ali são feitas são cada vez mais despidas de contexto, de caraterização e até de justificação teórica. Trocam-se opiniões, elogios aos colegas e insultos ao clube adversário. Raramente encontramos uma declaração que seja verdadeiramente política, no sentido genuíno da palavra, o que acaba por ser o espelho de uma sociedade dividida e escravizada aos pés da ditadura do egocentrismo, pelas algemas do digital. Sobre as consequências, também haveria muito a dizer, mas bastará assistir a um plenário que seja, para percebermos a gravidade do que se está a passar.

Outro exemplo recente é o das declarações de Bolieiro, que preferiu omitir verdades para justificar que dos 150 milhões necessários aos Açores, somente metade dessa quantia venha, percebendo-se claramente a solidariedade da coligação nacional para com os Açores. Bolieiro utilizou da memória selectiva e “esqueceu-se” de referir que a Lei das Finanças Regionais, aprovada no tempo dos Governos PS de Guterres e de Carlos César, retirou a Região da falência em que o PSD deixou os Açores em 1996, tendo aumentado as transferências para os Açores, considerando na sua fórmula de cálculo o facto da Região ter 9 ilhas e que foi Passos Coelho, numa segunda revisão, a diminuir as transferências para a Região.

Como é que se altera este panorama? Em primeiro lugar, votando. Votando em gente séria, com princípios e crentes na ciência e nos profissionais. Votando nos que procurarão unir e não partir ainda mais uma sociedade que já é dividida em classes, mas ameaça passar a ser mesmo de castas. Mas é preciso ir mais longe, incentivando pessoas competentes a assumirem a política de forma digna, e, afastando os carreiristas. É necessário estimular a massa crítica, com instituições locais, livrarias prolíferas, associações esforçadas e um sistema de educação robusto. É necessário trabalhar próximo das pessoas e construir pontes entre todos os ilhéus que somos, e que foram demolidos pelo ódio e pela sede de poder de uma direita bafienta. O futuro depende, em primeira instância, de nós. E se decadentes parecemos estar, o que é preciso é ânimo e resiliência, porque há muita coisa ainda para se fazer.

PUB