Uma empresa sedeada na ilha Terceira, nos Açores, criou uma tecnologia que permite aos pescadores rastrear artes de pesca a partir de um telemóvel e consultar em tempo real, em alto mar, o preço do peixe em lota.
“As três valências principais são: rastreabilidade das boias e das artes de pescas e conseguir identificar os locais da perda, para permitir a recuperação; a plataforma de comunicações sem recurso às redes móveis terrestres; e, finalmente, toda a questão da gestão digital do pescado, tendo uma plataforma de um registo permanente atualizado de todo o pescado que é feito em tempo real”, adiantou, em declarações aos jornalistas, Nuno Cota, da empresa Solvit.
O empresário falava hoje no Parque de Ciência e Tecnologia da Ilha Terceira (Terinov), em Angra do Heroísmo, à margem da apresentação dos resultados do projeto Custodian, financiado em 900 mil euros pelo fundo europeu EEA Grants, com verbas da Noruega, Finlândia, Islândia.
A Solvit lidera um consórcio que integra o Terinov, mas também o Air Centre, sedeado no parque, as empresas de gestão de lotas Docapesca e Lotaçor, o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), a UAVision e a Universidade Técnica Nacional da Noruega.
Quando arrancou, em julho de 2022, o projeto tinha como principal preocupação a recuperação de artes de pesca perdidas do mar, mas à medida que foi sendo testado os próprios pescadores e parceiros sugeriram novas utilizações.
“Eles ficaram entusiasmados e foram trazendo cada vez mais ideias para operacionalizar o processo de gestão do pescado […]. É possível fazer quase um diário de bordo eletrónico sem recorrer a papel, mantendo uma rastreabilidade constante de todo o pescado, durante o ano”, explicou Nuno Cota.
Com poucos cliques num telemóvel, num programa de acesso simples, o pescador consegue introduzir na plataforma a quantidade de cada espécie e o local onde foi capturada, com a garantia de que a informação só pode ser consultada “pelo próprio ou por quem ele autorizar”.
Pode ainda consultar os preços de cada lota, para escolher a mais lucrativa, e entrar em contacto com a lota para avisar que vai descarregar o pescado.
A plataforma criada, que utiliza “pela primeira vez” um sistema IOT (Internet das coisas) no mar, que faz a conversão da tecnologia para um telemóvel, permite também que os pescadores possam trocar mensagens, em zonas em que não há cobertura de redes móveis.
Os sensores, que podem ser colocados nas boias, associadas a artes de pesca, são lidos com maior fiabilidade até 80 quilómetros da costa, podendo chegar aos 100, e permitem detetar o desprendimento da arte de pesca.
“O pescador pode receber em casa, por exemplo, um alarme a dizer que houve um desprendimento de uma boia e o local onde se desprendeu exatamente”, explicou o empresário.
Estima-se que 10% das artes de pesca sejam perdidas no mar, número que aumenta para 20% quando estão em causa linhas, utilizadas pela maioria dos pescadores dos Açores.
“Se reduzirmos as perdas para metade, já estamos a falar de valores muito significativos, quer em termos de plástico no mar, quer em termos de custos da produção da pesca”, salientou Nuno Cota.
O projeto foi testado em Sesimbra e nos Açores, envolvendo sete armadores e pescadores, mas a adesão foi “enorme”.
“Não houve hipótese de os testes envolverem mais, porque não tínhamos mais equipamentos, mas não por falta de adesão. Os pescadores estão entusiasmadíssimos com o sistema e semanalmente perguntam-nos quando é que está disponível”, adiantou o empresário.
Segundo Nuno Cota, do ponto de vista tecnológico, o sistema “está pronto a ser comercializado”, mas precisa de um “plano de negócios”, que permita reduzir o custo dos sensores.
O objetivo é colocar os equipamentos no mercado por cerca de 100 euros, sendo depois necessário subscrever um serviço básico, que permita fazer o suporte e operacionalização do sistema.
“Comprar quatro ou cinco, como fizemos, tem um custo. Se nós comprarmos mil o custo baixa 10 vezes”, explicou.
“É preciso entrar numa nova fase de investimento. Esperamos que as autoridades regionais e nacionais possam aderir. Depende dos apoios que possamos ter”, acrescentou.
O empresário disse ainda acreditar que o sistema terá um “grande potencial de internacionalização”.
“Os nossos parceiros noruegueses estão muito entusiasmados e querem levar isso também para a Noruega, porque o sistema não se esgota aqui, aplica-se em qualquer parte do mundo”, sublinhou.