Livro de Valdemiro Correia foi lançado na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, esta quinta-feira.
Coube ao amigo do autor, Gualter Furtado, apresentar o livro, que começou por dizer que “Palavras no Caminho, é mais um livro do Valdemiro, mas não é um livro qualquer, é um testemunho de vida, contado em versos, que bem poderia ser de qualquer um de nós, nascido nos Açores nos primeiros anos da década de 50 no séc. passado.
A minha escolha para mais uma vez apresentar um livro do Valdemiro e especificamente as “palavras no caminho”, naturalmente não resulta dos meus conhecimentos em poesia, fato que assenta bem ao Sidónio Bettencourt, mas sim, da nossa amizade biunívoca, que resiste ao tempo, ter nascido também no inicio da década de 50, termos ambos sido colegas na saudosa Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, praticarmos, ou, termos praticado, modalidades desportivas e culturais comuns, me rever na maioria dos capítulos em que o Valdomiro narra este seu percurso de vida, e que se estende de São Roque de São Miguel até ao capítulo dos Diversos, de que relevo a Caça, a Chuva e a Ética.
Em jeito de réplica e sem a preocupação com a métrica, aqui ficam 4 quadras soltas relacionadas com este livro e com quem o escreve:
Palavras no Caminho
Um livro que admiro,
Devagar. Devagarinho
Constrói o Valdemiro!
É um livro de vida
Não é de despedida,
E já estou a prever
Que volta a escrever!
Seja no seu Alentejo
Em Moura ou Lisboa,
Afirmo que antevejo
Nova colheita boa!
Mas com o coração
Plantado nos Açores,
Berço da sua criação
E ninho dos valores!
Um livro de poemas estruturados em X (dez) capítulos que começa com aquela fase da vida que na maioria das vezes condiciona sobremaneira todo o nosso percurso, que é justamente os nossos primeiros anos de vida, marcados pela família, os amigos de infância, por este mar imenso que nos rodeia, e está sempre presente na freguesia de São Roque de São Miguel, ninho que viu nascer o Valdemiro, um lugar em que se vive paredes meias com as ondas do mar, e respira-se o sal do mar. É pois com muita naturalidade que o mar, a ilha, os Açores estão bem presentes neste primeiro capítulo deste livro.
O segundo capítulo é dedicado a Lisboa, destino dos então mais afortunados para irem prosseguir os seus estudos, tivessem origem nos Liceus, ou, nas Escolas Industriais e Comerciais como o Valdemiro e eu próprio. Nestes afortunados, estavam alguns dos filhos das famílias mais abastadas dos Açores, ou, aqueles que não tendo Pais com recursos financeiros para os mandarem ir estudar no Continente e prosseguirem os seus estudos, eram bons alunos e neste caso podiam ser bolseiros das Juntas Gerais, com o compromisso de que quando acabassem os seus cursos teriam de trabalhar nos Açores pelo menos 3 anos. Estas bolsas de estudo fruto da primavera Marcelista fizeram toda a diferença para muitos de nós, já que se não existissem, não teríamos tido a possibilidade de ir “estudar lá para fora”, como se dizia nos anos 60.
Daí se compreenda que o Valdemiro dedique a Lisboa vários poemas, já que para nós, Lisboa representava uma espécie de libertação e certamente uma ponte para uma vida melhor.
Na maioria dos casos esta ponte tinha vários lanços, e um era a Guerra em África, uma fase da vida muito difícil para milhares de jovens portugueses e açorianos em particular. Vivi intensamente este período, já que muitos dos meus amigos de infância, especialmente os do Vale das Furnas, quando vinham dos Açores para Lisboa, na qualidade de militares mobilizados para a Guerra e antes de partirem para África, ficavam no meu quarto das residências por onde passei. Eram dias de grande confraternização, de alguns excessos e de partilha, num contexto de quase despedida para sempre, já que sabiam que iam combater nas ex colónias, mas não sabiam se regressavam. Era o tempo do “dever\obrigação” de irem combater lá longe para defender uma ideia de que Portugal começava no Minho e só acabava em Timor, embora tivéssemos muitas dúvidas onde se situavam os Açores em toda esta extensão territorial, e sequer se faziam parte deste problema e “imenso território”, razão por que alguns antes deste dia da partida para África dessem o salto para o estrangeiro, e por não concordarem com esta guerra. Quer os que ficaram e combateram, quer os que saíram clandestinamente do País, tem um ponto em comum, este período da vida deles, foi certamente muito marcante, digo-o com conhecimento de causa por que tive e tenho amigos que optaram pelas duas saídas possíveis e até hoje quando nos encontramos este tema vem sempre à baila.
O Valdemiro, combateu em África como militar integrado nos Comandos, uma tropa de elite, formada à base de militares com treino e formação especial para executarem missões especiais difíceis e quase sempre no limite do risco e do perigo máximo, isto explica o elevado grau de camaradagem que reinava nos Comandos, e que o Valdemiro a partir da sua experiência, queira com este capítulo homenagear os seus companheiros comandos, e de algum modo a partir de quadras e poemas neste Terceiro Capítulo exprima a sua vivência, emoções e inclusivamente a sua opção e “enorme orgulho de ter ido….”, mas respeitando a opção “de quem não foi….”.
O Quarto Capítulo, marca o Regresso à vida civil, ao trabalho, ao amor, à relação com o Alentejo profundo, ao convívio com a natureza e os rios, à caça, e à construção da sua nova família. É um período fascinante, de escolhas, no seu caso do que parece ser um corte com o cordão umbilical que são os Açores, e digo ao que parece ser, porque um açoriano mesmo que vivesse na Lua, nunca, mas nunca se separa definitivamente das suas origens, dos Açores, mesmo que seja só em pensamento. Aqui, recorro-me do meu saudoso amigo Daniel de Sá, que escreveu: “Sair da ilha é a pior maneira de ficar nela”. Razão por que o Valdemiro mesmo saindo da ilha, está sempre regressando.
O Capítulo Quinto, dedicado ao Amor, bem como o Capítulo Sexto que exalta a Amizade, e até mesmo o Capítulo VII versando o drama que foi a Pandemia se interligam e complementam, no poema ACHEGA e que vale a pena ler, meditar e porventura seguir.
O Oitavo Capítulo dedicado aos Pais, dá bem nota das origens e formação que herdou dos Pais, eu conheci o Pai e mesmo o irmão do Pai do Valdemiro, e confirmo que são mesmo como o Valdemiro os descreve. O Capítulo Nove, “Viver e Morrer” é um prolongamento natural dos anteriores, como que o culminar de uma caminhada que se pensa estar a acabar e com o dever cumprido, depois de ter se socorrido de Diversos (designação Capítulo X, o último) instrumentos e objetivos de vida arrumados neste final do Palavras no Caminho.
Convido o Leitor a desbravar este “palavras no caminho”, seguir as pisadas do escritor, neste caso do Poeta, e verá como uma história de vida pode ser narrada com o recuso à quadra e à poesia, enriquecendo o nosso imaginário e como um açoriano nascido em São Roque vai para o Continente português, embarca numa viagem para África, tem a felicidade de regressar a Lisboa, fica por lá em terras do Alentejo, constrói o seu próprio Mundo e regressa aos Açores para estar connosco hoje”.