Alexandra Manes, Dirigente e deputada do BE/Açores

Não é uma frase polémica, nos dias que correm, certamente. Mas ainda assim continuamos a necessitar relembrar alguns setores da sociedade.

Todas e todos nós sentimos na pele o peso do machismo e do patriarcado enraizado no sistema que nos gere. No entanto, há quem ainda sofra com o racismo. Uma mágoa profunda, mesmo que nem sempre comunicada.

Há alguns meses, assistimos pela RTP Açores à exibição de uma curta-metragem sobre o futebol açoriano, onde se falava do clube Lusitânia e do papel do mesmo numa estratégia inovadora para o desenvolvimento do desporto na região.

Inside/Offside é o nome do filme de Bruno Correia que conta a história do clube e dos atletas que vieram para a ilha Terceira, a partir da América Latina e do continente africano, para integrarem o projeto de estágio e desenvolvimento das novas gerações do futebol regional. Conta-nos também a experiência de jovens que chegam e são alvo de movimentos, que mesmo não representando a maioria, deixam uma profunda tristeza.

Falo de movimentos racistas e xenófobos, que se ouvem das bancadas e dos bancos dos cafés e das tascas. Adeptos e adeptos que acham que primeiro devem defender a sua nacionalidade e o seu tom de pele.

Esta realidade não é mais do que uma resposta ao crescente peso da extrema-direita e do ódio no Nosso Mundo. Assistimos a esses episódios com regularidade e violência.

Não julguemos que na região é diferente. Têm sido vários os relatos de comportamentos racistas, nas diferentes modalidades, inclusive na patinagem.

Será escusado relembrar a recente infelicidade dos bonecos e das conversas relacionadas com Vinícius Júnior, ou os episódios ofensivos com Marega, ou outros tantos. Demasiados para aqui mencionar.

O caso do Vinícius Júnior levantou, e bem, uma onda de solidariedade mundial. No entanto, foram muitos os comentários a desvalorizar e a culpabilizar o jogador pelo comportamento atroz das e dos adeptos.

Não foi a primeira vez, que num jogo, Vinícius foi alvo de manifestações racistas. Neste caso em concreto, o jogador já havia sido insultado à saída do autocarro, com cânticos e frases violentas.

Durante o jogo ouviu-se “Macaco”! Macaco!”, traçando um paralelismo entre a fisionomia do jogador e os primatas. Vinícius identificou as pessoas que o diziam e mesmo assim, assistiu-se à imobilização do jogador, tal e qual acontecia em 1969 quando jovens negros se defendiam de ataques racistas.

É normal que isto se suceda? Há quem argumente que há excessos, mas…e esse “mas” diz tudo. Não são racistas, têm amigos e amigas de cor, mas…! Note-se que os ataques ao jogador não foram pelas suas capacidades desportivas, mas sim ao seu tom de pele. E isto não tem argumentação possível.

Não posso deixar de recordar o caso de Dani Alves e da banana que lhe foi atirada a partir das bancadas, que serviu de lanche para uma assistência ao golo, na cara dos que tentaram fazer dele menos do que ele foi e é.

O racismo, como escreveu um dia Gabriel O Pensador, não é mais do que uma burrice.

Estes episódios revelam também as manobras defensivas que as pessoas brancas praticam quando desafiadas racialmente, impedindo qualquer diálogo inter-racial significativo. E isto demonstra a forma como a branquitude é encarada.

A sociedade tem sido confrontada com o pesado lastro histórico de recentes manifestações de ódio racial, em que a escassez terminológica sobre a temática do racismo dificulta ainda mais as já de si difíceis conversas que a cada dia se tornam mais incontornáveis. Esta lacuna comprova a forma como temos mantido a questão do racismo em “banho-maria”.

Cabe-nos continuar a denunciar esses momentos. No desporto, e não só. Para nos lembrar que o mundo pode ser melhor, e que a vigilância deve permanecer entre todas e todos nós.

Antes que adormeçamos em democracia e acordemos em fascismo.