Hernâni Bettencourt, jurista

Daqui fala a chefe de gabinete do Galamba. A Eugénia. É para informar que tivemos aqui um pequeno problema no ministério das infraestruturas. O Frederico, aquele adjunto que está na vossa lista dos mais temidos terroristas, acabou de roubar um computador com informação classificada que só ele tem acesso. Podem ir a casa dele buscar o computador se faz favor? Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Andamos há semanas entretidos com uma estória pejada de mentiras, omissões, e muito desnorte. Mas isso até nem o pior deste inacreditável episódio. O cerne da questão continua por explicar. Refiro-me, obviamente, à intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). Quem solicitou a intervenção? Qual a justificação dada para efeitos do pedido de intervenção? Qual a base legal em que assentou a intervenção do “agente secreto”? Estas perguntas continuam, decorrido mais de um mês da noite do faroeste no ministério do Galamba, por responder. E quando digo responder, refiro respostas objetivas e verdadeiras. As personagens envolvidas, tendo percebido a gravidade da questão, decidiram atirar a Dr.ª Eugénia para a “fogueira”.

A voluntariosa Eugénia, à revelia do inexperiente ministro e sem qualquer indicação de um adulto do Governo, decidiu pegar no telefone e ligar para o SIS. Nesta estória, para dar alguma consistência, ficámos a saber que há uma espécie de manual de procedimentos para fazer face a ataques de espionagem e terrorismo dentro dos gabinetes ministeriais. Na dita cartilha, parece que consta o seguinte: em caso de roubo de portáteis ligar para o SIS. Alguém acredita nisto? O SIS não é, ou pelo menos eu julgava que não era, uma espécie de central de táxis ou um de um qualquer serviço de estafetas. Esta estória, depois daquela conferência de imprensa do ministro Galamba,na qual ele assume ter ligado a quase metade do governo, não tem ponta por onde se lhe pegue. E muito menos quando se disse e repetiu, até perceberem o erro, que se tratava de um roubo. O SIS não é um órgão de polícia criminal. O SIS não trata de roubos! Então, o que terá dito a voluntariosa Dr.ª Eugénia no telefonema para o SIS? Não sabemos. O que se sabe, através de um comunicado do SIRP, é que “(…) os elementos recolhidos não permitem concluir (…) no sentido de ter havido uma atuação ilegal por parte do SIS, mormente qualquer violação de direitos, liberdade e garantias.” Não sei quem escreveu isto, mas não lhe auguro grande carreira no mundo do entretenimento. É que o assunto é demasiado sério para piadas de mau gosto. Falar em direitos, liberdades e garantias quando há um telefonema, por volta das 23 horas, de um “agente secreto” para um cidadão a convidá-lo, seguramente de forma amigável e sem qualquer tipo de pressão, a entregar o famoso computador é não ter o mínimo de noção das linhas vermelhas que norteiam um estado de direito. O SIS, como bem referiu o ex Bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, não pode ser acionado e agir com um serviço da Uber. Mas a verdade é que agiu…