Na semana passada, abordei dois acontecimentos marcantes do mês de março – as avarias do navio Mondego e a falta de apoio psicológico que existe nos corpos policiais, levando, por vezes, a situações extremas. Abordo, agora, outros dois acontecimentos, procurando trazer uma reflexão que me pareceu ter ficado secundarizada na comunicação social, mas que seria a mais relevante de se ter feito.
Os acontecimentos no Centro Ismaelita, em Lisboa, são, sem dúvida, dramáticos, mas o caso é tudo menos simples. Sem dúvida que as primeiras vítimas são as duas mulheres que perderam a vida. No entanto, ficaram visíveis as fragilidades na nossa integração de quem foge da guerra. Que futuro terão aquelas três crianças que, na prática, se viram órfãs, de um momento para o outro, num país que não é o seu? O seu futuro estará, sem dúvida, condicionado pela morte da mãe e pela provável prisão do pai.
Sem dúvida, precisarão da estabilidade e do carinho de que qualquer criança precisa. Precisarão de um apoio a pensar no desenvolvimento físico, psicológico, social e intelectual a que qualquer criança deve ter direito nesta fase da vida – ainda mais urgente quando pensamos neste percurso de vida, marcado pela fuga forçada do seu país, por uma passagem por um campo de refugiados sem quaisquer condições, pela morte trágica da mãe e por uma integração precária num país estrangeiro, sem perspetivas de sair da pobreza. Precisam, por isso, de um acompanhamento marcadamente humano. E, como afirma quem trabalha no terreno, temos falhado nesse acompanhamento. O resultado são falhas graves na integração, habitação muito precária, pobreza e exploração extremas. Muitos refugiados acabam em situações próximas da escravatura, como se tem visto em notícias recentes, mas que o PCP há muito denuncia, sendo ignorado.
Daí vem a interrogação: como estariam as vidas dos migrantes que nos procuram se tivessem o devido apoio e integração? Como estariam estas vidas se tivéssemos uma política eficaz de combate à pobreza?
Quanto àquela velha estratégia da direita, de agitar o medo dos que vêm de fora, lembro que a pobreza resulta, sobretudo, de os salários não chegarem para as despesas, da especulação com os preços que provoca uma inflação recorde em tudo quanto é essencial para viver. Quanto ao desemprego, esse resolvia-se facilmente com a proposta do PCP de horários de trabalho de 35h para todos, sem perda de salário. A brutal desigualdade nos rendimentos e o aumento de produtividade que se observou nas últimas décadas justificam uma redução do horário de trabalho muito maior que essa!
E o último acontecimento que queria sublinhar relaciona-se, precisamente, com esta questão. A dimensão da manifestação da CGTP de 18 de março foi, em boa medida, silenciada. Desprezada, até, por muitos comentadores da direita – que são a esmagadora maioria, diga-se de passagem. As ideias que deixaram no ar mostram bem que estes comentadores não sabem o que é passar dificuldades, com salários não atingem o fim do mês, com a prestação da casa a subir, com os cortes na alimentação.
Aquela manifestação deu expressão ao protesto que tem crescido rapidamente, também nos Açores. E vai continuar a crescer, porque os problemas não desaparecem. Aliás, é significativo que só nestas manifestações os migrantes em situação de exploração extrema consigam fazer ouvir a sua voz. Junto de outros trabalhadores, explorados, tal como eles.
Por isso, fica a pergunta: como estaria o desenvolvimento económico e social dos Açores e do país se houvesse uma distribuição justa da riqueza, um eficaz combate ao desemprego, a valorização séria do trabalho?