O presidente do município de Angra do Heroísmo, nos Açores, disse hoje que a auditoria da inspeção de combate à corrupção, que identifica possíveis “ilegalidades e irregularidades”, aponta apenas diferenças de interpretação, mas a oposição quer esclarecimentos.

“Não há nada que ponha em causa a honorabilidade de quem quer que seja, nem nada que nos envergonhe. São questões de natureza de interpretação, mas ninguém roubou, ninguém usou mal o dinheiro público e acho que isso é que interessa”, afirmou, em declarações à Lusa, o autarca de Angra do Heroísmo (PS), Álamo Meneses, que cumpre um terceiro mandato.

Numa auditoria à gestão do município, entre 2016 e 2020, a Inspeção Administrativa da Transparência e Combate à Corrupção dos Açores detetou possíveis “ilegalidades e irregularidades”, que enviou ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas.

Entre as principais conclusões do relatório, a que a Lusa teve acesso, a inspeção refere a “duplicação de despesa no contrato de fornecimento do cartaz musical e no contrato de aluguer de som para as Festas Sanjoaninas” e o recurso a ajustes diretos na “aquisição de serviços de produção musical e disponibilização dos meios humanos e materiais do cartaz musical das Sanjoaninas”.

Por outro lado, “não foi possível quantificar com certeza o valor dos benefícios atribuídos ao adjudicatário do contrato, além do preço, nomeadamente patrocínios dos recintos, bilheteira, isenção de licenciamento, além do preço base, pelo que se verifica fortes indícios de que os mesmos não tenham sido contabilizados para efeitos de cálculo do valor estimado do contrato, como prevê a legislação em matéria de contratos públicos”.

Segundo a inspeção, isso “coloca em causa princípios de legalidade, de imparcialidade e de prossecução do interesse público, devendo ser fundamento de nulidade do contrato”.

O relatório refere ainda a realização de uma empreitada na Prainha “sem que tenha sido aguardado o parecer” da Direção Regional da Cultura e “sem que tenha existido estudo ou projeto elaborado por arquiteto legalmente habilitado”, o que indica uma “eventual violação do dever de zelo e eventual violação das regras urbanísticas suscetível de eventual responsabilização criminal do titular de cargo político”.

Na mesma obra, aponta a falta de um “estudo de impacto arqueológico” e a utilização de materiais que podem ter violado o Plano de Pormenor e Salvaguarda de Angra do Heroísmo, cidade Património Mundial da Humanidade da Unesco.

O relatório indica também a uma “eventual violação das regras urbanísticas” em obras particulares, licenciadas pela autarquia, e a “falta de comunicação de várias licenças concedidas na área de intervenção do Plano de Pormenor e Salvaguarda de Angra do Heroísmo à Direção Regional da Cultura”, o que “pode implicar a nulidade de tal ato”.

Questionado pela Lusa, Álamo Meneses defendeu que a atribuição da receita da bilheteira das Sanjoaninas ao contratante é a solução que “melhor serve o interesse público”.

“O contratante tentará a trazer os melhores artistas possíveis, porque o seu lucro depende da adesão do público. Ser a câmara a assumir essa parte, ficar com o dinheiro e depois pagar, retira a pressão de cima do contratante. A partir daí, se alguma coisa corresse mal com o espetáculo, desde o mau tempo até à falta de público, o prejuízo seria da câmara”, justificou.

Quanto à obra na Prainha, o autarca disse que era “uma obra de pequeníssima dimensão” e que era urgente, por isso não aguardou por parecer.

“É uma obra de meia dúzia de metros. No início da época balnear descobriu-se, porque o mar levou a areia, que era preciso fazer o reforço da sapata que está por detrás da muralha. Não era preciso nenhum estudo, precisava de se resolver o assunto tão depressa quanto possível, para que a época balnear começasse com toda a normalidade”, apontou.

Álamo Meneses admitiu que a relação com a direção regional da Cultura “nem sempre tem sido a mais fácil”, mas garantiu que são feitas “comunicações periódicas” das licenças.

“É público e notório que têm havido ao longo dos tempos vários desentendimentos sobre questões de natureza patrimonial e sobre a aplicação da legislação sobre questões patrimoniais”, afirmou.

Em comunicado de imprensa, o PSD de Angra do Heroísmo criticou a postura “pouco transparente” do autarca, defendendo que as “várias ilegalidades e irregularidades” reportadas pela inspeção “deviam ser cabalmente esclarecidas”.

“A postura de Álamo Meneses sobre este assunto é lamentável, ao não ser transparente nem claro sobre as situações em causa, e não promovendo um esclarecimento cabal, dizendo apenas a meia verdade que lhe convém”, afirmou a vice-presidente do PSD de Angra do Heroísmo Luísa Barcelos.

A dirigente social-democrata disse que os resultados da auditoria “põem em causa os princípios da legalidade, da imparcialidade e da prossecução do interesse público” e considerou “alarmante” que o município possa “desvirtuar” o património, numa “postura de arrogância e de falta de diálogo com entidades públicas”.

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