Rui Teixeira, dirigente do PCP Açores

Março foi rico em acontecimentos que mereciam um olhar mais atento do que as reflexões rápidas, algumas mesmo primárias, a que tiveram direito. Estes são temas difíceis, mas penso que a sua importância justifica abordá-los. Escolhi quatro acontecimentos, abordarei agora dois deles.

Os 13 militares que recusaram uma missão no navio Mondego fez correr tinta. A necessidade de disciplina nas Forças Armadas é indiscutível. Mas este não foi um problema de indisciplina. Segundo tudo indica, a estes 13 militares nunca faltou coragem, disciplina ou dedicação. Como desde logo denunciou o PCP, o problema é mais de fundo: de falta de investimento, de falta de respeito, de adiamento de reparações. Nalguns casos, pode mesmo falar-se de grave abandono dos meios militares.

Parece uma má piada a conclusão de que o segundo incidente com o navio resultou da falta de combustível. A ser verdade, isso mostra a total falta de investimento. Que, por sua vez, resulta de a política militar não estar dirigida para os interesses nacionais, mais preocupada com invasões de países estrangeiros, como a Jugoslávia ou o Iraque, e em servir a NATO, essa organização que se gosta de afirmar defensiva mas que é responsável por incontáveis invasões e guerras, nomeadamente com a utilização de urânio empobrecido contra civis.

Tudo isto me preocupa porque se trata da protecção do nosso território. E, como muito bem recordou o PCP, aconteceu na Madeira mas podia, muito bem, ter acontecido em qualquer outro mar, em qualquer outra missão. Nomeadamente de salvamento ou de patrulha do mar dos Açores. Portanto, deixo a questão: se a despesa militar fosse direccionada para valorizar e proteger os indivíduos que escolhem a defesa nacional, inclusivamente com o possível sacrifício da própria vida, como estariam as nossas forças armadas, como estaria a protecção do interesse nacional? Quem sabe como estariam?

Outro assunto pouco ou mal abordado foi o suicídio, em 2023, de cinco polícias. Não quero, com este assunto dramático, fazer qualquer tipo de aproveitamento político. Muito pelo contrário, a sensibilidade do assunto merece todo o respeito.

Estes cinco polícias eram pessoas que escolheram, como profissão, proteger a sociedade. Mas, de alguma forma, ficaram totalmente desapoiados, no meio das exigências muito próprias da função policial. Sem apoio psicológico, sem condições para enfrentar as dificuldades do dia a dia, desumanamente desvalorizados enquanto indivíduos que vivem e sentem as situações que vêm, que sentem o sofrimento humano com que contactam diariamente.

Estas são falhas enormes da nossa política de administração interna – a falta de investimento nos corpos policiais, nomeadamente nas carreiras, salários e condições de trabalho. Não irei especular sobre se estes acontecimentos dramáticos teriam acontecido se fosse outra a política que gere os corpos policiais. Mas não consigo deixar de colocar a questão. Se houvesse a devida valorização, o devido acompanhamento humano, quem sabe como estariam, neste momento, todos os polícias que sofrem em silêncio em resultado da profissão que escolheram?