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Terminadas as festas Sanjoaninas, encerramos temporariamente o espaço de descanso para devaneios e boémias, regressando a uma reflexão sobre o que se tem vindo a agravar ao longo dos últimos tempos, e que merece ser aqui devidamente retratado, em todas as suas fragilidades. A Cultura está morta, e ninguém a avisou.

Recuemos às tais festas de São João. Estas linhas nascem precisamente no final da semana de festividades e alegrias, quando os olhares mais atentos se depararam com a presença de todas e todos os diretores de serviços externos da Direção Regional da Cultura, de visita à sua cidade património, em plenas festas de verão. Era vê-los por aí, museus itinerantes. E vê-las a caminhar, bibliotecas errantes. Ecomuseu longe de casa e centro de artes caixeiro-viajante.

Aos olhos mais ingénuos, poderíamos acreditar estar perante uma comitiva que veio para enaltecer o trabalho de Álamo Meneses e a respetiva equipa técnica municipal, dando o devido destaque ao nosso intemporal poeta zarolho. Poderiam as pessoas pensar que a Cultura estava ali em peso para dizer a Angra que respeitava o seu Heroísmo, e que marcharia pelo seu traçado urbano, despejando estratégias e objetivos para melhorar a proteção e gestão do seu património, a par de apoiar as e os agentes culturais que ali passam sede junto à baía da cidade.

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Mas a Cultura esteve reunida, em peso, foi na tasca das Sanjoaninas, para almoçar, e nas portas fechadas do seu Salão, cada vez menos nobre, para conluiar. Não perderei demasiado tempo a questionar a pertinência de se escolher o tempo das Sanjoaninas para montar uma reunião geral de chefias. As viagens estão mais baratas, e a estadia é quase oferecida, nesta altura do ano, não é? O estigma que querem fornecer aos funcionários públicos, talvez seja de ser repensado e redirecionado para o espelho. Não restam muitas dúvidas sobre o passível parasitismo de tudo isto.

Mas perderei algum tempo na análise do que se passa. Reúnem-se chefes para traçar o quê? Há anos que não vemos estratégia, que não tenha sido a de o diretor anterior, no intensivo trabalho de promover o seu próprio trabalho e o de mais ninguém. Há anos que assistimos a uma sangria de diretores regionais que variaram entre a incompetência, incapacidade e agendas próprias. Uma secretaria regional que dançou de mão do aparelho em mão do aparelho, nunca devidamente valorizada, sempre a parente pobre de uma Região a caminho da morte, que mesmo que ainda não seja cerebral, será pelo menos cultural.

No ano passado, a sra. Diretora Regional viveu debaixo de uma sombra permanente, que parecia não lhe deixar fazer, nem sair de cima. Este ano, aparece mais vezes, mas fala cada vez menos, e quando se pronuncia é como se nada tivesse para dizer. De objetivos estruturais, linhas estratégicas, definições e regulamentações só se formos ao dicionário ou recuarmos a 2013, pelo menos. Até mesmo de intenções, que tantas vezes encontramos em infernos semelhantes, nada sabemos, que não sejam respostas a acontecimentos já acontecidos. Veja-se a insistência da diretora em falar do 25 de novembro nos discursos que proferiu em 2024, para depois vir a público destacar um prémio ganho pelos seus técnicos, que deixa claro que novembro nada seria sem abril. Veja-se também o prémio que o Museu Francisco Lacerda recebeu, através do trabalho da sua diretora, que foi, perentoriamente, afastada do cargo.

E depois, o caso do património subaquático. Já que as chefias estiveram em Angra, questiono-me se terão mergulhado no primeiro parque arqueológico subaquático do país. Terão ilustres diretoras e diretores visitado os tesouros distinguidos pela UNESCO e pela Comissão Europeia? Ou terão assinado por baixo na inação total do Governo Regional em responder, perante uma afronta que vem de Lisboa, há muito tempo, e teima em continuar.

Recentemente, um Despacho promulgado pela antiga ministra da cultura de Montenegro delegou as competências de gestão desse património no Ministério da Marinha, incluindo aí os arquipélagos, que perderam assim o seu estatuto de autónomas regiões, para passarem a ter de obedecer ao almirante do dia.

Quando tal afronta se tornou pública, primeiro pelas mãos do arqueólogo Alexandre Monteiro, e depois por Francisco César, José Manuel Bolieiro correu a concordar com o líder da oposição. Disse que seria de se tomar uma ação concreta, a bem da nação açoriana e da importância da sua autonomia! E depois… depois nada se fez, como nunca se faz. A inação é a especialidade da casa desta direção regional, que serve sempre como prato do dia a desistência de querer fazer, regada com um toque de ineptidão na gestão, e devidamente marinada na vontade de extinguir a Cultura. Pelo menos aquela que não seja das ganadarias familiares e dos grupos de amizade periféricas.

As organizações culturais continuam à espera do novo decreto regulamentar para o regime jurídico de apoios às suas atividades. O património cultural afunda-se num mar eterno de desastres, agora potenciados por uma nova divisão que fala em promoção e não em proteção. Com um concurso para chefia a decorrer desde fevereiro, talvez estejam a aguardar a chegada de um doutorado em marketing para melhor promover a inação completa daquele departamento. O antigo centro de restauro, agora transformado em armazém e relicário da diocese, senta-se num canto, insignificante na realidade arquipelágica.

Na Cultura, sobram algumas vontades, que continuam a sussurrar, cada vez mais baixo, por corredores e esquinas desta cidade. E as contas, para pagar os almoços, os hotéis e as viagens. Talvez faça parta do modelo de injetar liquidez na SATA, mas tenho dúvidas, porque estratégias parece-me mesmo que não as há. A certeza é de que, ainda no final do ano passado, faltou dinheiro para papel em alguns departamentos. Mas este ano há almoço especial para chefes, em plenas Sanjoaninas. Trabalho dessas chefias é que ainda não vimos.

Deixo o meu reconhecimento a Álamo de Menezes, pessoal com a qual divergi, em várias matérias, nos seus mandatos autárquicos, reconhecendo-lhe a capacidade para gerir a autarquia de Angra do Heroísmo. Esperamos, agora, pelas festas de 2026 com Fátima Amorim a mostrar que é capaz e está habilitada a elevar a empatia, na política autárquica.

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