O Governo Regional dos Açores admitiu hoje criar um regime de exceção que permita a plantação, de forma controlada, da hortênsia, a nona espécie com maior potencial invasor na região, para fins comerciais ou de decoração.
“Poderá haver um regime de exceção para efeitos de plantação de exemplares em espaços públicos, como jardins, espaços verdes, estradas ou arruamentos, ou para fins comerciais, neste caso em espaços controlados, para evitar a propagação, no caso de espécies com relevância cultural, histórica, gastronómica, comercial, desde que fora das áreas protegidas”, adiantou o secretário regional do Ambiente e Ação Climática dos Açores, Alonso Miguel.
O governante falava, por videoconferência, numa audição na Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa dos Açores, a propósito um projeto de resolução apresentado pelo Chega, que recomenda ao Governo Regional que a hortênsia deixe de ser considerada uma espécie invasora no regime jurídico da conservação da natureza e proteção da biodiversidade.
A iniciativa do Chega recomenda que seja proibida a remoção da hortênsia de quaisquer locais públicos, a não ser mediante autorização da tutela, que a espécie seja repovoada nos locais de onde foi retirada e que seja ainda reconhecida como de interesse público.
Segundo Alonso Miguel, a hortênsia não integra atualmente a listagem de espécies invasoras do regime jurídico, mas “existem evidências científicas inequívocas” do seu potencial invasor, por isso, “à luz dos princípios de prevenção e de precaução”, as autoridades não autorizam a introdução e detenção desta espécie.
O secretário adiantou que, na revisão do regime jurídico, já em curso, a espécie será classificada como invasora, mas deverá integrar um regime de exceção, à semelhança do que foi feito no continente e na Madeira, que permita conciliar os interesses ambientais com os interesses sociais, económicos e culturais.
“Há que ter um enquadramento muito específico. Não pode ser dentro de áreas protegidas e, para comercialização, tem de ter um conjunto de regras para conter a propagação destas espécies, um plano de contenção”, explicou.
Alonso Miguel garantiu que o processo de revisão do regime jurídico se iniciou antes da proposta do Chega ter sido apresentada, estimando que seja colocada a consulta pública ainda este ano e submetida de seguida ao parlamento.
Os deputados açorianos ouviram também o presidente da cooperativa Fruter e produtor de flores na ilha Terceira, Paulo Rocha, que considerou a lei “absurda” e destacou o interesse comercial de uma espécie “que se adaptou muito bem à região” e “não precisa de grandes cuidados”.
“A nível de valor económico, é muito mais do que o litro de leite. Este ano, fiz uma experiência com umas variedades que mandámos com um pé maior a um euro cada flor. E eles pagam transporte”, apontou, referindo-se a uma exportação para Espanha.
O produtor disse concordar com restrições nas zonas protegidas, mas defendeu a autorização de plantação em terrenos privados, alegando que as hortênsias que já existem estão a ser atacadas por herbicidas e pela árvore criptoméria.
“Tenho um cliente que ficava com 10 contentores de 40 pés por ano, mas não temos mais porque não é permitido plantar”, lamentou.
Já o investigador da Universidade dos Açores Rui Elias, também ouvido em comissão, sublinhou que na lista das 100 espécies com maior potencial invasor da região, a hortênsia surge em 9.º lugar, destruindo não apenas a vegetação endémica como a fauna de invertebrados.
“Os ecossistemas nativos representam apenas 13% dos Açores. Se não somos capazes de fazer tudo para proteger o que resta destes 13%, então estamos a ir por um mau caminho”, afirmou.
O biólogo disse desconhecer estudos sobre o valor económico da produção de hortênsias, mas alertou para o impacto da preservação de espécies nativas no turismo da região.
“É uma espécie que tem de se ter cuidado, porque está a propagar-se em muitas zonas dos parques naturais, com grande potencial económico, porque as pessoas vêm aos Açores, cada vez mais, para irem aos parques naturais”, alertou.
Rui Elias sugeriu a plantação de espécies endémicas, como o folhado, em substituição das hortênsias nas bermas das estradas e defendeu que não deviam ser criadas exceções.
“Não faz sentido estarmos, por um lado, a controlar e, por outro lado, a plantar. É um contrassenso”, vincou.