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Cerca de quatorze anos depois do início da famosa Operação Marquês, José Sócrates apresentou queixa contra o Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Sócrates alega que o processo violou os seus direitos fundamentais usando artimanhas como um lapso de escrita para conseguir ganhar tempo no que concerne à acusação. Além disso, José Sócrates considera que o Estado português nunca foi isento desde o início do processo, falhando no princípio de presumir a sua inocência.

A análise de todo o caso pode, de um modo superficial, ser lida como um episódio jurídico individual, em que se trata apenas de mais um capítulo num longo processo, envolto em polémicas e mediatismo. Mas uma leitura mais profunda revela algo que me parece consideravelmente mais grave, ou seja, a persistência de falhas estruturais na justiça portuguesa, a erosão da confiança dos cidadãos nas instituições e o consequente ambiente propício que essas falhas oferecem ao crescimento do populismo, sobretudo se tivermos em consideração o crescimento da direita radical no caso português.

Este artigo não pretende analisar se Sócrates é culpado ou inocente. Jamais. Aquilo que tento é elucidar o leitor do facto de que a justiça portuguesa foi incapaz, durante mais de uma década, de apresentar uma decisão clara sobre um dos processos mais emblemáticos da nossa democracia. E essa incapacidade pode ter consequências profundas, como já referi, uma vez que fragiliza a credibilidade institucional, mina o próprio Estado de Direito e alimenta a narrativa do “eles são todos iguais”.

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A justiça é, indubitavelmente, um dos pilares fundamentais das democracias liberais e, a sua independência, imparcialidade e eficácia são requisitos indispensáveis para que o contrato social entre governantes e governados se mantenha legítimo. Quando um sistema judicial se revela incapaz de resolver um caso desta magnitude num prazo razoável, está em causa a perceção generalizada de que a justiça não funciona. E essa perceção é absolutamente devastadora.

De acordo com o Eurobarómetro, Portugal é um dos países da UE onde os cidadãos mais desconfiam do sistema judicial. Uma parte significativa da população acredita que os tribunais são lentos, ineficazes e permeáveis a influências políticas. Esta perceção de impunidade institucionalizada corrói a autoridade da justiça e com ela a confiança no regime democrático.

É precisamente neste clima que prosperam os discursos populistas. Quando a justiça falha, torna-se um dos principais motores de alavancagem de fenómenos populistas. Urge, por isso, repensar seriamente o funcionamento da justiça em Portugal. Não é Sócrates que ameaça a democracia, mas sim a incapacidade do sistema em julgá-lo.

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