Perto de 1.500 atores e músicos amadores percorrem mais de 30 palcos na ilha Terceira, nos Açores, durante quatro noites de Carnaval, num festival de teatro popular, com comédia e crítica social, que se assiste de forma gratuita.
“Penso que é o único festival em que as próprias pessoas que fazem o evento pagam para divertir as pessoas [que estão a assistir], para tocar, para cantar”, afirmou, em declarações à Lusa, Evandro Meneses, músico, ator e escritor de danças e bailinhos de Carnaval.
Segundo dados recolhidos pelo fotógrafo João Costa, que todos os anos publica um guia de danças e bailinhos, este ano, deverão percorrer a ilha Terceira 58 grupos: 45 bailinhos, sete danças de pandeiro, duas danças de espada, quatro comédias e um monólogo.
Ao todo são perto de 1.500 atores e músicos amadores em palco, numa ilha com cerca de 55 mil habitantes.
Com temas para fazer rir, em bailinhos, danças de pandeiro e comédias, ou mais sérios, nas danças de espadas, o teatro é sempre em rima, caracterizado habitualmente por crítica social, e intercalado com momentos musicais.
Neste festival de teatro popular, são os grupos que dão a volta à ilha, entre sábado e terça-feira, muitas vezes até de madrugada, enquanto o público os espera em mais de 30 salas de espetáculos.
Na maioria das salas, o público assiste de forma gratuita e as atuações são pagas com sorrisos e palmas.
Os apoios públicos não chegam para as despesas com roupas, música, textos e transportes, mas o número de grupos mantém-se de ano para ano.
Evandro Meneses tinha seis anos quando, seguindo o exemplo do pai e do avô, participou pela primeira vez num bailinho de Carnaval a tocar violão.
“Tinha um violão pequenino e fui a tocar e a cantar. No segundo ano, já saí a representar, com sete anos. É uma coisa que já está no sangue”, contou.
Saiu da ilha para estudar guitarra clássica e composição musical, mas regressou e aos 27 anos continua a participar no Carnaval terceirense.
Para além de tocar e representar, compõe música, escreve letras para cantigas e, este ano, estreou-se a escrever a parte teatral, chamada de assunto ou enredo.
Questionado sobre o que tem este Carnaval de especial, para levar tanta gente a investir tempo e dinheiro para divertir os outros, Evandro Meneses disse ser “muito difícil de responder”.
“É uma tradição que desde pequeninos nos é incutida, que é só nossa”, explicou.
Durante quatro dias, Evandro Meneses vai pisar dezenas de palcos e arrancar gargalhadas a milhares de pessoas, mas a parte melhor da festa, defendeu, foram os dois meses que a antecederam, passados em ensaios e convívios com amigos e família.
“A preparação da festa é o que as pessoas mais gostam do Carnaval. É claro que depois vem a cereja no topo do bolo que é o calor das pessoas nos salões e as gargalhadas”, adiantou.
Com músicos saídos de conservatórios e atores que vão procurando dar aos textos em rima uma representação mais natural, o Carnaval da Terceira tem vindo a evoluir, ainda que permaneça aberto a todos e sem regras.
Evandro Meneses acredita que as danças e bailinhos de Carnaval da ilha Terceira têm futuro assegurado pelas novas gerações e que, apesar da evolução, os grupos têm conseguido manter a tradição.
“Acho que com a quantidade de escritores que já estão a começar a escrever tem pernas para andar e, ano após ano, vai ser sempre melhor”, sublinhou.
As danças, bailinhos e comédias de Carnaval da ilha Terceira integram desde 2020 o Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial de Portugal.
O Governo Regional dos Açores, os municípios da ilha Terceira e o Museu do Carnaval Hélio Costa estão a preparar uma candidatura a património mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).