Alexandra Manes

A infâmia desceu à Terra e mora entre nós. Por proposta do chega, a Assembleia Legislativa, preocupada com os critérios de admissão e priorização nas vagas das respostas sociais, recomendou ao Governo Regional que doravante seja conferida prioridade, no acesso às creches, às crianças oriundas de agregados familiares com vínculo laboral. Temos assistido nos últimos anos a uma mutação do discurso da direita dita democrática, que aflita com a deriva extremista sentida à extrema-direita, se apropria das suas ideias, do seu vocabulário, do odioso que sistematicamente destila e se empina em arauto do inaudito. É a isto que assistimos quando vemos – pasme-se – os sociais democratas, os da democracia-cristã e os monárquicos aprovarem esta vergonhosa recomendação, incluída no portfólio de medias de ódio do chega.

A Resolução aprovada, para além de insultuosa, é uma cobarde e soez medida discriminatória, destinada a relegar para o limbo da marginalidade e da pobreza as crianças e as famílias que mais necessitam de apoio social institucionalizado, que atravessam períodos de maior fragilidade por força das debilidades do tecido industrial e comercial na Região. A medida, porém, tem uma maldade escondida. Ela visa punir aqueles que, seja por tradição, seja por necessidade, se encontram inseridos em áreas de economia informal, vendendo em feiras ou apenas nas ruas. Esses, aos olhos da lei (se a Resolução vier a tomar essa forma) são os novos excluídos, porque fatalmente serão enxovalhados com o epíteto de “desempregado” e verão as creches e amas fechar-lhes a porta, num ferrete de degradação social, vergonha e exclusão que apenas vem aumentar o fosso social que se perpetua na Região.

É, portanto, o ódio ao outro, a punição do mais fraco, a infâmia pura, aquilo que inspira esses nobres representantes. O “não é não” com que Montenegro fechou as portas à xenofobia e ao racismo, não vale infelizmente nos Açores, com a coligação sôfrega do poder a engolir voraz e alarvemente estes sapos vivos nascidos na podridão da maldade e que deixarão um rasto de eterna vergonha nas e nos deputados regionais que viabilizaram a Resolusão em questão. Mais valia que se mandasse coser uma estrela de uma cor qualquer, poderia ser a cor da AD, nos casacos das crianças recusadas à porta das creches, os novos descamisados que a Região alegremente escorraça da educação e apoio pedagógico.

Quando os princípios e textos internacionais proclamam a necessidade da educação pedagógica precoce e universal, as e os nossos representantes substituem os critérios, pela devassa da vida privada das famílias mais carentes, cujo bem na formação, educação e saúde das crianças nunca é de mais enaltecer. A Assembleia legislativa, em vez de recomendar a criação e ampliação de redes de apoio à infância para todas as crianças, dedica-se a perseguir os mais pobres e os mais vulneráveis.

Não satifeito, o mesmo partido, voltou à carga no plenário de outubro, com o mesmo objetivo: acirrar o ódio na perseguição às e aos benificiários do RSI, alargando o seu ódio às pessoas que se encontram com atestado de incapacidade temporária, numa intervenção vergonhosa, na qual nem os médicos psiquiatras foram esquecidos, sendo estas e estes especialistas alvo de acusações gravíssimas.

No mês de setembro, a cor amarela serviu para publicações na página institucional da Direção Regional da Saúde, com o alerta para a prevenção do suícidio, que infelizmente acontece frequentemente na nossa Região. No dia 10 de outubro assinalou-se o Dia da Saúde Mental, tão apregoada nos últimos anos. No dia 16 de outubro, na Casa da Democracia, o chega levanta suspeitas acerca da mesma, sem que houvesse por parte do Governo Regional uma única intervenção na defesa da dignidade dos médicos psiquiatras, nem relembrando a importância da Saúde Mental. O Governo permitiu que um baton, um vestido e um sorriso sejam os critérios que avaliam a saúde mental das pessoas, perpetuando o estigma que existe acerca da depressão que é uma doença, tal e qual é a síndrome de Vulto-Van Silfhout-de-Vries, por exemplo.

Na verdade, o que os partidos da coligação viabilizaram foi a idesconfiança do Governo que sustentam, pois, ouvido em sede de Comissão, ficou claro que fazem cumprir a Lei. Na verdade, foram coniventes com o estigma de que os Açores são “terra de malandros”, que por este andamento ainda alcança o estatuto de “Marca Açores”, devido à cumplicidade da Direita açoriana com este tipo de generalização e de vocabulário permitido.

Seria bom relembrar que a vida não é linear e que, absolutamente, ninguém está imune à necessidade de apoios sociais ou de uma depressão.

O problema da nossa Região não são os pobres, mas sim a aposta e os incentivos em sectores que pagam mal. O problema desta Região enferma na injustiça da distribuição da riqueza.

Já agora, e atendendo à subida exponencial nos indicadores que medem a pobreza nos Açores, pergunto por onde anda o Estudo para o diagnóstico da pobreza encomendado pela Região? Qual o espaço temporal entre a sua encomenda e o resultado convertido em Plano Regional de Inclusão Social e de Cidadania? A argumentação do seu atraso se dever ao incêncio no HDES não colhe. Ou será que as conclusões e estratégias propostas não agradaram?

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