O registo é de 1997, de novembro, para ser mais preciso. Já lá vão, portanto, vinte e seis anos. O carro é modesto, um pequeno comercial, de apenas dois lugares, e com evidentes sinais do tempo passado e corrido. À partida nada suscita interesse, curiosidade ou cobiça naquela viatura. Até no plano fiscal, marcadas as eleições nacionais, num ápice, carrinhos assim deixaram de ser poluentes ou suscetíveis de constituir receita adicional para os cofres do ministro Medina – há interesses particulares que mudam no socialismo mais rapidamente do que qualquer princípio.
Parado num semáforo, como determina o código de estrada, sobra vagar para atender a pormenores de outro modo inatendíveis. Foi o caso. Uma folha A4, impressa, apela com destaque: “Ama a tua TERRA – AÇORES, e continua a discorrer elogiosamente sobre as nossas ilhas. O texto é longo demais para ser lido de relance na circunstância do para-arranca. Mas há mais comunicação percetível, simbolicamente destacada em quatro bandeiras açorianas coladas no vidro traseiro, a engalanar aquele grito de amor às nossas ilhas. Mudámos de direção, ainda assim a tempo de perceber que o para-brisas dianteiro ostenta mais duas bandeiras e outras tantas vão balançando na haste do retrovisor, muitas vezes lugar para purificadores do ambiente e bandeiras do Divino Espírito Santo.
Pensei no exemplo de açorianidade que circulava naquela modesta viatura, sem compromissos partidários ou tão-pouco buscando cargos e prebendas. Que lição exemplar neste tempo de eleições, ditadas por jogatinas e interesses pessoais.