Assisti, incrédulo, a mais um terramoto na vida política portuguesa. Confesso que, depois de Sócrates, achei que o regime tinha mudado. Que essa mancha na vida política portuguesa tinha feito o seu caminho. Que os partidos, os diversos agentes políticos e os governos tinham mudado. Julgava que não era possível haver uma repetição de noites tão escuras na vida política portuguesa. Estava, mais uma vez, enganado. Não estou com isto a violar o sagrado princípio da presunção de inocência. A minha afirmação, sintetizada no título deste texto, nada tem a ver com o mundo da justiça. Essa fará o seu lento curso. Refiro-me, exclusivamente, ao mundo da política. À forma como se continua a chegar a cargos de elevada relevância. Às teias de interesses. Às dívidas de gratidão. À bajulação. Às dependências. Ao compadrio. A rolos de notas escondidas. A mãos que lavam outras mãos. No fundo, a todo o lamaçal que temos assistido. E tudo ao mais alto nível do Estado. Perdeu-se completamente a noção da realidade. Ainda numa noite recente, após a comunicação ao país do Presidente da República da única saída possível do buraco em que voltamos a ser metidos, ouvi as declarações do Primeiro-Ministro demissionário e não queria acreditar. António Costa, sem um pingo de vergonha, veio dizer-nos que “o país não merecia ser chamado a eleições” e que “aquilo que precisávamos era de ter um Orçamento aprovado e aproveitar a estabilidade que existe e mudando o primeiro-ministro, aproveitar para renovar o Governo, dar nova energia e nova alma”. Para tudo isto a milagrosa solução seria o Professor Mário Centeno, atual Governador do Banco de Portugal (continua no cargo?!). Em que mundo vive este homem que foi Primeiro Ministro nos últimos 8 anos? – foi a pergunta que me surgiu de imediato.

Mas depois, pensando um pouco, consigo perceber a posição de António Costa. Chama-se alienação. E é um resumo perfeito do Portugal das últimas décadas. Os governantes, talvez por chegaram quase de fraldas a lugares de topo e por lá ficarem durante décadas, não têm qualquer noção do mundo real. Vivem num mundo à parte. Um mundo de deslumbramento, faz de conta e muito narcisismo.  Servir a causa pública é uma missão meramente de ficção. Defender o interesse geral ou o bem comum é chão que já não dá uvas. Temo, mas temo mesmo, pela forma como sairemos disto. O campo para populistas nunca foi tão fértil. Até me arrepio de pensar o que pode vir aí já no próximo dia 10 de março. O que vale é que, ao contrário do Professor Cavaco Silva, engano-me muitas vezes e espero ser só mais uma…

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