Perante a crise política, foram convocadas eleições para 10 de março. Mas a maior crise não resulta da demissão do governo. A verdadeira crise política instalou-se, de forma dramática, nas casas das famílias Portuguesas. Nas casas das famílias Açorianas ainda mais: segundo o INE, o nosso poder de compra é 13% inferior ao do Continente. Esta é uma crise que se sentou à mesa de quem trabalha, de quem produz, de quem tem uma pequena empresa, dos pequenos agricultores, dos pescadores. É sobre estes que recai a autêntica crise, aquela que deixa a dúvida sobre como se sobrevive ao dia seguinte, sobre se serão pagas as contas no fim do mês, quando o salário se esgota em duas semanas.

O orçamento do estado apresentado pelo governo de maioria absoluta do PS está, no essencial, à direita. Afunda o Serviço Nacional de Saúde (com efeito, também, na saúde dos Açorianos) e transfere metade das verbas para o negócio privado da doença. Repito: metade da verba vai direita para os grupos privados que lucram com a doença, em vez de resolver a falta de médicos, de enfermeiros, de auxiliares, de meios e de recursos. O mesmo orçamento reduz, na prática, o investimento em Educação e mantém o problema da habitação, no continente tal como nos Açores. Um orçamento que reduz em 50% os impostos das empresas que aumentarem os salários em 5%. Ou seja, quando os lucros das grandes empresas duplicaram, é apresentado um orçamento que apoia, com dinheiros públicos, os seus lucros, tendo como contrapartida aumentos salariais que são insuficientes para evitar que os salários reais encolham. Ao mesmo tempo, não há uma resposta adequada para as pequenas empresas, que lutam para sobreviver.

Ironicamente, as críticas da direita e da extrema-direita centraram-se quase exclusivamente no aumento do IUC para os carros anteriores a 2007. Porque será? Sem dúvida que este é um aumento injusto. Na prática, será um aumento da despesa em cerca de 5 € num mês, o que se traduzirá em 4 pacotes de arroz a menos… convenhamos que faz uma enorme diferença, para quem tem enormes dificuldades em garantir comida na mesa! No entanto, muito mais grave do que o IUC é o desinvestimento na Saúde, na Educação, nos Salários, na Economia. Muito mais importante seria o aumento do salário mínimo em 150€ por mês. Então, porque é que o discurso da direita se centra, apenas, no injusto aumento do IUC? Precisamente porque é o único argumento que tem para disfarçar o facto de concordar com um orçamento do estado construído à direita. Vejamos, com um caso concreto, se não é assim: o PCP tem proposto várias medidas para o aumento dos salários em, no mínimo, 150€ ou 15%. Dinamizar a contratação coletiva, aumentar dignamente os salários da Função Pública ou subir o salário mínimo para 910€, cada uma destas propostas foi chumbada pela verdadeira coligação negativa: o PS, unido com a direita e a extrema-direita. Mesmo que se esforcem por aparentar uma discordância que não existe nas questões mais importantes para o futuro do país.

É urgente construir uma verdadeira alternativa política. A aprovação de um mau orçamento do estado apenas trará obstáculos à resolução dos problemas crescentemente sentidos em todo o país. Quanto à alternativa política, tal como aconteceu no período da Revolução de Abril, ela nascerá do poder do Povo Português, com a sua energia criadora. E, se há coisa que já foi demonstrada, é que a alternativa ao PS não está à direita, ao mesmo tempo que o PS, sozinho, não é alternativa à direita… Na República, tal como nos Açores… Mas isso já será assunto para outro artigo!

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