A viola da terra, instrumento tradicional dos Açores, pode ter 12 ou 15 cordas, mas as duas casam na perfeição, segundo Bruno Bettencourt, um dos autores do primeiro CD a juntar as duas versões do instrumento.

“É uma conjugação perfeita”, afirmou, em declarações à Lusa, o músico da ilha Terceira, que toca a viola de 15 cordas, ao lado de Rafael Carvalho, de São Miguel, tocador da de 12, no CD “Duas violas, uma tradição”, apresentado num espetáculo no Museu dos Baleeiros, na ilha do Pico, na segunda-feira.

Dois dos maiores impulsionadores da viola da terra nos Açores, Bruno e Rafael juntaram-se num concerto ‘online’, durante a pandemia de covid-19, em 2020, no festival Violas do Atlântico, e um amigo do Alentejo lançou-lhes o desafio: “Duas violas, uma tradição, isto tem de ficar registado”.

“O nome do disco estava escolhido”. Residentes em ilhas diferentes, tentaram trabalhar à distância, mas só, em 2022, quando Bruno se deslocou a São Miguel o CD ganhou forma.

“Entrámos para o estúdio eram 08:00 e às 16:30 estava o disco gravado”, contou.

Segundo Bruno Bettencourt, o objetivo não é fazer deste trabalho “o disco da viola da terra”, mas chamar à atenção para as diferenças entre as sonoridades das duas violas e até desafiar outros tocadores a seguirem o exemplo.

“Surge com o intuito de mostrar as duas violas mais tocadas nos Açores, as diversidades das sonoridades, as técnicas e, ao mesmo tempo, a forma como essas duas violas se complementam, porque ao fim ao cabo é um disco que apela também à união”, adiantou.

São muitas as diferenças da viola da terra nas diferentes ilhas, até na forma como é tocada. Em São Miguel e em Santa Maria é solada com o dedo polegar, na Terceira, na Graciosa e em São Jorge com o indicador, enquanto o polegar faz o acompanhamento nos graves. Nas outras ilhas, perde o papel de solista e surge como instrumento acompanhador.

Em todas as ilhas existe a viola de 12 cordas, ainda que na Terceira Bruno já só conheça um tocador, porque a de 15 cordas assumiu há muito o protagonismo.

“Ao passo que a outra viola tem 12 cordas e afina em cinco ordens, na ilha Terceira aparece esta viola com 15 cordas, agrupada em seis grupos, que tem um braço mais curto”, descreveu.

A origem deste instrumento, que tem as primeiras referências no início do século XX, é “controversa”, mas o músico terceirense acredita que decorra da “influência da presença castelhana na Terceira”.

De uma coisa Bruno Bettencourt não tem dúvidas, a sonoridade da viola de São Miguel, afinada em ré, complementa-se na perfeição com a da viola de 15 cordas da Terceira.

“Como a de São Miguel afina num tom mais baixo, tem um som mais quente, mas cheio. A viola da Terceira é mais brilhante, tem um timbre um pouco mais agudo. As duas conjugam muito bem”, salientou.

O CD inclui temas tradicionais das duas ilhas, tocados de forma mais ou menos tradicional, por vezes com uma das violas a improvisar, como se “estivessem ao desafio”. Há ainda dois temas originais, compostos pelos dois músicos, tocados a solo, para mostrar a sonoridade de cada instrumento.

Segundo Bruno Bettencourt, houve um período em que a viola da terra quase só era tocada em grupos folclóricos e cantorias, mas hoje já está comprovado que “pode ser integrada em qualquer género musical”.

“Para além dos grupos de folclore, que são, sem dúvida alguma, os responsáveis pela viola ter sobrevivo e ter chegado com alguma vitalidade aos nossos dias, vão surgindo cada vez mais pessoas a gravar discos de viola da terra, a incluir a viola em música rock, no fado”, apontou.

Um dos responsáveis por essa mudança de mentalidade, segundo Bruno Bettencourt, foi Rafael Carvalho, que lançou há cerca de uma década um álbum de originais para viola da terra.

O instrumento começou também a aparecer cada vez mais fora dos Açores e isso despertou a atenção dos açorianos.

“A viola começou a ganhar um novo fôlego e já começa a ser olhada pelos mais novos não como um instrumento de gente velha, mas como um instrumento aliciante, que nos permite fazer aquilo que queremos”, defendeu.

Nas escolas de viola e nos conservatórios, não faltam alunos do instrumento tradicional dos Açores e nos concertos é notório o interesse de açorianos e não só.

“O ano passado, houve um senhor do continente que está cá a trabalhar, que assistiu a um evento e uns tempos depois mandou-me mensagem a perguntar onde podia arranjar uma viola. Ele comprou uma viola e está neste momento a aprender a tocar”, revelou Bruno Bettencourt.

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