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A recente polémica da alteração à Lei da Nacionalidade relançou o debate em torno da definição de quem pode ou deve ser considerado português. Num contexto amplamente marcado pelo crescimento da imigração e por um número recorde de pedidos de naturalização, o Executivo justifica as novas regras com a necessidade de reforçar os vínculos entre os candidatos à nacionalidade e a comunidade nacional, através da procura em travar a ideia de que Portugal oferece uma cidadania excessivamente acessível.

De facto, esta proposta do Governo liderado por Montenegro introduz alterações muito significativas face ao regime em vigor atualmente. O Executivo considera que as alterações propostas dão coerência a um sistema que se tornou permeável a abusos e que já não garantia qualquer índice de rigor na atribuição de nacionalidade. As mudanças foram apresentadas como uma reposição do equilíbrio entre a abertura e a responsabilidade, tendo o Governo invocado exemplos de outros países europeus para legitimar uma abordagem mais rigorosa. Por sua vez, muitos críticos de Montenegro, aproveitaram logo a oportunidade para dizer que o primeiro-ministro está de mãos dadas com o Chega, partido conhecido pela sua ideologia restritiva neste aspeto. Aliás, o Chega pretende promover uma investigação aos processos de atribuição de nacionalidade durante os últimos executivos, tendo alegado uma distribuição massiva e pouco escrutinada. O Partido Socialista sublinha que o acesso à cidadania deve continuar a ser visto como um fator de inclusão, integração e coesão social.

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As alterações propostas levantam diversos desafios. Desde logo, há questões relacionadas com a constitucionalidade, sobretudo no que toca à aplicação retroativa das novas regras a processos pendentes. A norma que prevê a retirada de nacionalidade pode entrar em rota de colisão com convenções internacionais que protegem os direitos dos cidadãos naturalizados, e o alargamento do prazo de residência exigido poderá ser um fator de exclusão desproporcional a pessoas plenamente integradas na sociedade portuguesa.

Por outro lado, existe o risco claro de agravar a já evidente sobrecarga administrativa, cujos serviços lidam atualmente com centenas de milhares de pedidos em atraso. A aplicação de novos testes, de novos critérios mais exigentes criará dificuldades técnicas e humanas adicionais, cuja viabilidade não está assegurada. Ainda assim, a ser bem executada, esta lei poderá ser uma boa oportunidade para reforçar o sentimento de pertença e de responsabilização de novos cidadãos, através do incentivo à integração plena, bem como o conhecimento das instituições democráticas nacionais. Poderá também ser importante para restaurar a confiança dos portugueses no sistema, de modo a evitar que a questão da nacionalidade seja interpretada como uma espécie de direito adquirido sem qualquer tipo de obrigações.

Na minha perspetiva, a pertinência deste tema é inquestionável. Tendo em linha de pensamento a quantidade de imigrantes e nacionalidades concedidas na última década, Portugal enfrenta um desafio estrutural de gestão da diversidade, da integração e da definição daquilo que pretende que seja a sua comunidade. O acesso à nacionalidade está, naturalmente, no centro dessa equação. No entanto, importa evitar que o debate seja monopolizado por discursos securitários ou excludentes, sob pena de se comprometerem os princípios constitucionais, tal como a vocação claramente humanista do país. O equilíbrio entre rigor e justiça deve, na minha ótica, ser o critério orientador desta lei. A nacionalidade portuguesa deve ser alvo de um debate profundo e acima de tudo consciente e responsável ancorado nos valores democráticos em que estamos inseridos. Não está em causa apenas a lei, mas sim a visão que Portugal quer ter de si próprio enquanto nação.

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