Aqui há uns anos, se alguém te contasse que verias um anúncio apelando ao regresso da ilegalização da interrupção voluntária da gravidez, em Portugal, com uma mensagem final a dizer que estava pago pelo “Guru Mike Billions”, tenho quase a certeza de que a resposta seria imediata e incisiva: estás maluca? Tudo isto aconteceu, por estes dias, sem grande traumatismo e com a cumplicidade da TVI, canal que tem vindo a crescer na sua postura de apoio às forças da extrema-direita, em anos recentes. Longe vão os tempos em que apenas a CMTV detinha tal distinção.
No final de 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, poucas pessoas adivinhariam o que estaria a infetar o nosso planeta. Um vírus, perigoso e letal, promovido pelo discurso de ódio, e assente no culto à ignorância. Naquele tempo, já existiam os famosos “influencers”, mas eram ainda adolescentes, em geral relativamente pobres, apoiados numa câmara de má qualidade, um microfone fraquinho e uma secretária tosca, no seu quarto de família.
Nos quatro anos que se seguiram, esses miúdos tornaram-se poderosos adultos. A indústria dos influenciadores cresceu na sombra do novo fascismo americano, alimentada pela ignorância e pelas migalhas dos multibilionários que dão de comer aos perigosos cães de fila, como é o caso de Donald, Jair ou, mais recentemente, André. Os influenciadores americanos, baseados na filosofia do capitalismo selvagem, apoiaram-se na comercialização dos seus conteúdos para as bases do eleitorado de extrema-direita.
Certamente, porque é mais fácil vender produtos a quem pouco gosta de pensar, mas também porque foram contratados para o efeito. É que os tais multibilionários traçaram uma estratégia para dominar, e essa passa por deter o controlo das novas gerações.
Assim, o “influencing” é a nova e mais poderosa arma de propaganda da atualidade, sendo praticamente assegurada por inteiro, através de jovens produtores de conteúdos direcionados ao extremismo e à violência. Com base nas teorias neoliberais dos “mileis”, os influenciadores cresceram, vendendo banha da cobra a gente que caiu que nem patinhos.
Os mais novos, reveem-se em casos de sucesso de rapazes e raparigas que antes dos trinta já eram podres de ricos, e querem seguir as suas ideias, muitas vezes cegamente. O dinheiro é o grande poder desta gente, que tudo faz para levar as nossas juventudes para o caminho do obscurantismo.
Assim começou, nos Estados Unidos, com personalidades como Logan Paul, Andrew Tate ou o famosíssimo Joe Rogan, entre muitos outros. Gente que não tinha particular talento, que não aparecer em frente a uma câmara e apelar aos que assistem, para que lhes deem atenção. Quando começaram a dizer coisas demasiado controversas, sobre racismo, violência doméstica e choques culturais, não se vieram desculpar.
Radicalizaram-se. Muitos fizeram-no durante o COVID-19, incapazes de compreender o poderoso efeito que uma pandemia tem numa sociedade, e limitando-se a cair nas garras da pseudociência e da confusão mental.
Em Portugal, a situação é em tudo semelhante. Se não reconhecem os nomes que atrás citei, devem começar já a pesquisar por Numeiro, Wuant, Miguel Milhão, Tiago Grila e outros que tal. Há um movimento da chamada “macho esfera” que está a crescer com rapidez e eficácia, nas barbas de quase todas as mães e pais que deixam que isso aconteça. Seguindo os passos dos colegas trumpistas, os cheganos avançam a todo o gás para os palcos do Tik Tok e do Youtube, bem como para os microfones da praga de podcasts que se espalhou pelo país a fora, sem controlo de qualidade.
João Barbosa é um rapazola dessa equipa, sendo talvez o mais famoso dos tugas que ali se meteram, no momento. Os mais novos conhecem-no como Numeiro, primeiro youtuber, depois podcaster, vendedor de muitos produtos e marcas, algumas ilegais em Portugal, e construtor de um pequeno império de seguidores que fazem tudo o que ele lhes disser. Considera-se o Andrew Tate português, sendo que Tate foi já publicamente exposto como neonazi e abusador de mulheres. Numeiro, para além de apelar à violência doméstica, juntou-se recentemente à equipa de André Ventura, fazendo campanha pelo país, com um Lamborghini pintado com as cores do chega e galvanizando as suas legiões de jovens para votarem naquele partido. Muitos que votaram em 2025 pela primeira vez, seguiram os conselhos do ídolo Numeiro, e foram dar o ouro aos bandidos.
Exemplo de natureza semelhante, mas ainda mais perigoso, é o de Miguel Milhão, um empresário que representa tudo o que vai mal na cultura do neoliberalismo anarquizado. Milhão é um quarentão com idade para ter juízo, que se continua a comportar como um rapazola influencer enquanto usa as suas empresas para vender produtos e resultados discutíveis. A Prozis, principal peça do jogo de Miguel, está publicitada por todos os grandes influenciadores em Portugal, tendo até alcançado uma dimensão internacional de relevo, mesmo que o que venda seja muito parecido com a banha da mais venenosa cobra.
Milhão, como os seus amigos, rapidamente percebeu que vender produtos a cheganos é mais fácil, porque mais facilmente se enganam os que se deixam vender pela demagogia barata, e focou a sua atenção no mercado da extrema-direita. Apoiando Ventura e os seus correligionários, o multimilionário tem sido um dos principais manipuladores na sombra da propaganda partidária, dando apoio a Rita Matias e a mais umas quantas pessoas de tenra idade que se venderam ao discurso de ódio. Recentemente, com o país à beira do precipício da ditadura, lançou o tal anúncio a favor da ilegalização do aborto, usando-a como nova arma de arremesso cultural, para provocar mais caos e desordem. É isso que eles querem. Dividir, para conquistar.
O resultado de tal momento televisivo, foi a disseminação do ódio às mulheres que tomaram e tomam a decisão de interromper a gravidez. O que Milhão não tenta perceber é a razão para tal opção. Num discurso vago de conteúdo, de imagens paternalistas, Milhão, defende o nascimento, mas não a vida digna que qualquer criança merece. Milhão, como homem privilegiado que é, considera que a mulher que toma tal decisão, não passa de alguém desprovido de sentimentos, como se passar pelo procedimento da IVG fosse uma ida a um centro comercial. Milhão ter-se-á questionado acerca do número de homens que não assumem a paternidade? Que recusam o uso do preservativo porque lhes inibe o prazer? Terá ideia de quantas famílias monoparentais existem em Portugal, na sua grande maioria assumidas pelas mães que se defrontam com imensas dificuldades financeiras, jurídicas e de falta de apoio? A todas e a todos “Milhãos” deste país recomendo a leitura do livro “Ejacula com Responsabilidade”, da autoria de Gabrielle Blair. Talvez, percebam que o homem é tão responsável pelo procedimento da IVG quanto a mulher. Já agora, aproveito para vos relembrar de que a Vasectomia é um procedimento realizado pelo SNS e pelo SRS, de forma gratuita.
Eu lutei para legalizar a IVG. Tal como muitas outras pessoas o fizeram. Recuso-me a voltar a essa batalha, porque a ideologia é mais do que clara e evidente. Só não vê, quem não quer. No entanto, não posso deixar de vos vir aqui alertar. Prestem atenção a estes tipos.
São eles que estão a controlar os vossos filhos e sobrinhos, na sombra, mas com tenacidade e ódio visceral. Quando Trump ganhou o atual mandato, o discurso de agradecimento envolveu palavras de homenagem ao “grande e poderoso Joe Rogan” e a outros influenciadores americanos. Por cá, Milhão é o mais parecido que temos com eles.
Qualquer dia, será Ventura a agradecer-lhe, talvez com um cargo no futuro Ministério da Propaganda. Não pensamos antes, e depois já era…