Gualter Furtado, Presidente do Conselho Económico e Social dos Açores, participou hoje numa conferência promovida pela Associação Seniores de São Miguel, onde abordou a sua visão sobre os vários constrangimentos e desafios com que se confronta a Sociedade Açoriana.

Constrangimentos e Desafios:

A Demografia,

No Arquipélago e em todas as ilhas dos Açores, enfrenta-se hoje um problema de queda de população residente, expresso de forma evidente nos resultados dos Censos 2021, os quais nos indicam que de 2011 para 2021 os Açores perderam 10.115 residentes, o que equivale a uma diminuição de 4,1% da sua população, sendo que o único dos 19 Concelhos da Região Autónoma dos Açores que viu a sua população aumentar nesta década foi o concelho da Madalena na ilha do Pico, com um acréscimo que, todavia, nem sequer foi suficiente para compensar a queda verificada nos outros dois concelhos da Ilha, São Roque e Lages. De acordo com o Censo de 2021 a população nos Açores presentemente é de 236.413 residentes, o que significa uma perda de cerca de 91.000 residentes nos últimos 60 anos.

Paralelamente, assiste-se a um envelhecimento acelerado da população açoriana em todas as ilhas, bem como ao significativo despovoamento de algumas, o que acarreta sérios problemas no que toca à disponibilidade dos recursos humanos para trabalhar em sectores como as pescas, a agricultura, o turismo ou mesmo na construção civil, já para não falar em atividades e profissões que exigem mais e melhor qualificação.

Sem uma resposta devidamente articulada e programada, em termos económicos e sociais, dificilmente este Desafio do combate à queda da População e ao Despovoamento terá sucesso. Reconheço que algumas medidas têm sido propostas, ou mesmo executadas, mas carecem da sua integração num verdadeiro programa dirigido para ajudar a resolver este problema, talvez em resultado deste constrangimento não ter sido, ainda, totalmente assumido pelos responsáveis políticos e pela sociedade açoriana como sendo uma séria restrição à nossa própria sustentabilidade. Por exemplo, não é colocada nos Planos como sendo uma prioridade das prioridades.

A Educação e a Formação Profissional,

Note-se que 23,2% dos alunos da Região Autónoma dos Açores abandonam o ensino sem concluir o ensino obrigatório. É verdade que este indicador já foi pior, mas o registo ainda continua a ser muito mau – corrijo, péssimo – sendo, presentemente, o triplo da média nacional e o pior da União Europeia. No dizer do Professor Fernando Diogo, “é já a mais alta taxa de abandono escolar precoce da Europa”.

Estamos também mal posicionados nos indicadores de residentes nos Açores com o ensino secundário e mesmo no ensino superior, estimando-se que as taxas de retenção e retorno para os Açores de jovens com ensino superior com origem na Região sejam francamente desanimadoras. Trata-se de uma matéria para a qual se exige melhor informação estatística, sem a qual as respostas a implementar carecem da imprescindível base científica.

Também o papel do ensino e da investigação científica na Universidade dos Açores carece de análise, bem como de um suporte de respostas que, eventualmente, a sua natureza híbrida não favoreça. A Universidade dos Açores é uma das instituições da Região absolutamente indispensáveis para o Desenvolvimento dos Açores, e mesmo do País, pelo que +e de lamentar que os responsáveis políticos com capacidade de decisão na matéria ainda não tenham dado os passos certos nesta direção. Isto não isenta a própria Academia açoriana de fazer também o seu trabalho.

Por outro lado, fica-nos a impressão de que a educação e a formação profissional nos Açores são concorrentes, quando deveriam ser complementares e trabalhar em conjunto. É muito importante que as respostas a dar pela formação profissional tenham em conta as necessidades do mercado de trabalho açoriano, mas também as que resultam dos desafios da produtividade e da competitividade.

A Produtividade e a Competitividade,

Mais uma vez nestes indicadores os Açores estão muito mal posicionados, tanto no País como na União Europeia, sendo mesmo a região menos desenvolvida quando comparada com as outras regiões Europeias. No Índice Sintético de Desenvolvimento das 25 sub-regiões NUTS III, os Açores aparecem sistematicamente nas 5 piores sub-regiões do País em matéria de competitividade, com a agravante de ser a pior de todas as Regiões no que concerne ao Índice de Coesão.

Não é por acaso que, nos últimos 20 anos, não convergimos em relação ao PIB per capita europeu (média da EU), e até divergimos.

É, pois, natural que, relativamente à competitividade regional europeia (ICR), os Açores figurem como a região que perdeu maior competitividade entre 2016 e 2022, entre as 234 (todas as regiões NUT-2) analisadas a partir de 68 indicadores. Como é sabido, um bom desempenho destes indicadores é vital para termos resultados líquidos positivos e, consequentemente, melhores receitas próprias, o que não acontece na RAA.

Esta má realidade e frágil posicionamento dos Açores resultam da nossa condição insular de pequena dimensão, dispersão, afastamento dos grandes centros desenvolvidos, razões históricas, geográficas, dependência, fraco desenvolvimento, baixa educação, mas também de opções internas de prioridades que negligenciaram alguns dos fatores imprescindíveis para a melhoria da produtividade. É com muita pena que verifico que não aproveitamos convenientemente as condições criadas pela primeira Lei de Finanças Regionais, a qual possibilitou o aumento de transferências financeiras para as Regiões Autónomas, praticamente eliminou a nossa divida pública e resolveu o desequilíbrio estrutural das Finanças Públicas que, então, a Região vivia. Infelizmente, a este nível a situação atual é muito próxima da anteriormente vivida.

Desequilíbrio Estrutural da Finanças Públicas Regionais,

O atual modelo adotado pela Região para o crescimento económico, como já escrevi, não liberta receitas próprias (cerca de 53,5%) para financiar as necessidades de desenvolvimento económico e social, e, dificilmente, sustenta as despesas correntes da Região Autónoma dos Açores, muito penalizadas pela enorme dimensão do setor público, mas também pela assunção crescente de responsabilidades decorrentes de decisões nacionais. Neste contexto, as outras receitas com que a Região vem contado – ou seja, as transferências do Estado e as transferências da União Europeia (até agora cerca de 31,5%) – são imprescindíveis para o funcionamento do setor público, embora não sejam suficientes para fazer face à despesa pública global, daí resultando o crescente recurso ao endividamento (cerca de 15%), fortemente pressionado e aumentado pelo mau desempenho de algumas empresas públicas, com a SATA à cabeça, e também mais recentemente pelas despesas acrescidas com o combate ao COVID-19. Embora se mostre correta a opção de, no presente Orçamento (2023), não aumentar o endividamento, não ignoro o acréscimo de dificuldades que, no curto prazo, esta decisão coloca às Finanças Públicas Regionais, dada a elevada rigidez de uma parte considerável da despesa pública, agravada pelo aumento dos preços de bens e serviços em resultado da invasão da Rússia à Ucrânia, mas também de alguma especulação.

Sem receitas próprias adequadas para fazer face a este modelo de funcionamento da Administração Pública Regional e às necessidades de desenvolvimento, a Região Autónoma dos Açores vive uma situação muito difícil, que, inclusivamente, põe em causa a possibilidade de em tempo útil de aproveitar ao máximo os Fundos Comunitários, uma vez que não dispõe de margem financeira para cumprir com o princípio da subsidiariedade.

No que respeita ao PRR-Açores, é evidente que a RAA não tem capacidade financeira para acompanhar a atualização dos preços dos projetos, concebidos há algum tempo e noutra conjuntura, restando-lhe atualizar estes projetos e ajustá-los a esta restrição financeira orçamental, sob pena de não realizar estes investimentos e desaproveitar os fundos comunitários colocados à disposição dos Açores. Resta saber se o consegue fazer em tempo útil.

A situação que estamos a viver não é nada fácil, razão pela qual temos vindo a defender a necessidade urgente da revisão da Lei das Finanças Regionais, um amplo consenso político nos Açores, muito rigor na gestão da Política Orçamental e nas opções internas que possibilitem uma maior produtividade e competitividade das empresas regionais, por forma a reforçar as receitas próprias dos Açores. Uma Região em que o IRS arrecadado é cerca de 4 vezes superior ao IRC, dá bem nota da estrutura e da rentabilidade do setor privado nos Açores. Com esta realidade não conseguimos libertar meios para alimentar corretamente as Finanças Públicas Regionais, restando-nos a crescente dependência externa e o endividamento.

A não Resolução deste constrangimento coloca em causa a própria Autonomia Democrática.

Luta contra a Pobreza e resolução do problema dos Sem Abrigo,

O Conselho Económico e Social dos Açores (CESA) tem vindo a colocar na sua Agenda estas preocupações, dando o seu contributo com propostas concretas para a sua mitigação, porquanto os Parceiros Sociais têm a noção e a responsabilidade de assumir que uma sociedade como a açoriana não deve viver paredes meias com tantas famílias em situação de exclusão e pobreza, nem com a dimensão preocupante de Pessoas Sem Abrigo, principalmente no concelho de Ponta Delgada.

A este propósito, remetemos os interessados para as conclusões da Conferência Sobre a Pobreza nos Açores, e para o Pronunciamento sobre o Relatório dos Sem Abrigo, ambos os documentos partilhados com os Órgãos de Governo Próprio dos Açores, tornados públicos, mas também disponíveis no CESA (cesa@azores.gov.pt).

PUB