Se Donald Trump ou os seus principais assessores alguma vez tivessem lido Maquiavel ou Sun Tzu com atenção, talvez se tivessem apercebido do quão errada tem sido a sua abordagem ao conflito na Ucrânia e, de forma mais ampla, ao papel dos Estados Unidos no atual tabuleiro geopolítico.
Entre o isolacionismo económico, o desprezo pelas alianças tradicionais e a crença desmedida no poder da sua própria personalidade, Trump desfez, em poucas semanas, os alicerces de décadas de liderança americana.
A Arte da Guerra ensina que a vitória está, muitas vezes, em evitar o confronto direto, cultivando alianças, conhecendo o inimigo e o terreno, e usando a dissuasão como principal arma estratégica. Em contraciclo, Trump hostilizou a NATO, ostracizou o Canadá, ridicularizou os aliados europeus, ameaçou retirar os Estados Unidos de acordos multilaterais fundamentais e tratou a segurança transatlântica como um negócio transacionável. Ao fazê-lo, ignorou uma das máximas mais elementares de Sun Tzu: “Quem está isolado é vencido com facilidade.”
Maquiavel, por seu lado, advertia que um “príncipe” que “se isola, que semeia o medo sem respeito, e que despreza o valor das instituições e da previsibilidade, prepara o seu próprio enfraquecimento.” Trump, ao abdicar do soft power norte-americano — feito de confiança, instituições e liderança moral — degradou a imagem dos EUA, mesmo entre aliados históricos como o Canadá, a Europa ou o Japão. Em vez de se apresentar como o centro de gravidade de uma ordem internacional assente em regras e interesses partilhados, preferiu impor-se pela imprevisibilidade. O resultado? Desconfiança entre aliados e oportunidade para os adversários.
Vladimir Putin entendeu isso como ninguém. Ao ver o Ocidente dividido e os EUA mergulhados em guerras de tarifas com os seus próprios aliados, Moscovo encontrou o ambiente ideal para agir. Ao contrário de Trump, Putin sabe que uma guerra raramente se ganha só pela força bruta: ganha-se quando o inimigo está dividido, mal aconselhado e isolado. O ataque à Ucrânia foi possível, em grande parte, porque a dissuasão ocidental perdeu credibilidade e não cumpriu a promessa de impedir a expansão da NATO. E perdeu-a não por falta de meios, mas por falta de coesão e de consistência política.
Essa falta de coesão não se limita ao Atlântico. Também na Europa, o projeto político parece hoje paralisado entre burocracias autorreferenciais e planos grandiosos para um futuro sustentável imaginado para 2050, enquanto falha em unir-se em torno de um problema real, urgente e existencial em 2025. Como advertia Maquiavel, “os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda do património” — e a Europa parece hoje mais preocupada com a engenharia normativa do amanhã do que com a defesa do que é importante no presente. Perdeu-se, por falta de liderança.
A guerra de tarifas promovida por Trump, em nome de uma putativa recuperação industrial americana, teve efeitos perversos. Provocou retaliações, destruiu cadeias de valor globais e afastou parceiros estratégicos. A liderança internacional não se exerce contra os aliados, mas com eles. Ao fazer do isolacionismo um dogma, Trump desmantelou a arquitetura económica e política que permitia aos EUA negociar em força — precisamente porque falavam em nome de um bloco coeso.
Num momento em que a tensão no Indo-Pacífico se intensifica, a China observa com atenção, e muita paciência, os erros de Washington. E no Médio Oriente — cuja complexidade exige, por si só, uma análise detalhada que ficará para outro artigo — a ausência de uma liderança americana coerente deixou campo livre para atores regionais se afirmarem com agendas próprias, frequentemente desalinhadas com os valores sagrados dos Direitos Humanos, da Democracia, do Estado de Direito e dos interesses do Ocidente.
Por fim, Trump comete um último erro estratégico, talvez o mais grave — e próprio dos narcisistas: acredita que a sua presença pessoal é suficiente para reequilibrar o mundo. A diplomacia, como ensinava Sun Tzu, “exige conhecimento profundo do adversário, tempo, subtileza e preparação.” Ao privilegiar o espetáculo sobre a substância, Trump fragilizou os EUA no exato momento em que o mundo precisava de uma liderança ponderada, firme e previsível.
Maquiavel lembrava que “o governante deve ser simultaneamente raposa e leão” — astuto e forte. Trump não foi nem uma coisa, nem outra. E Sun Tzu teria acrescentado: “A maior vitória é vencer sem combater” — uma arte que, hoje, poucos líderes demonstram dominar. Talvez por ignorar a Arte da Guerra de Sun Tzu ou O Príncipe de Maquiavel, Trump falhou não apenas como presidente, mas como estratega. O preço dessa falha está hoje à vista de todos: um mundo mais instável, uma América mais isolada e adversários mais audazes, que não o respeitam, precisamente porque perceberam que o “Príncipe” já não lidera — e que o “General” não estudou a guerra que decidiu travar.
Nota final do autor:
Sun Tzu foi um general e filósofo chinês do século VI a.C., autor da célebre Arte da Guerra, um tratado sobre estratégia militar e política onde se valoriza a inteligência, a dissuasão e o conhecimento do adversário.
Nicolau Maquiavel, por outro lado, foi um pensador político florentino do Renascimento. Escreveu O Príncipe, uma obra seminal sobre a natureza do poder, o cálculo político e os dilemas da liderança. Apesar dos séculos que os separam, ambos continuam a fornecer lições fundamentais sobre a arte de governar, evitar o conflito inútil e preservar o Estado — lições que, infelizmente, a maioria dos líderes contemporâneos parece ignorar.
Não estamos apenas perante lapsos de julgamento: estamos perante um fenómeno mais corrosivo e insidioso — a ascensão de um narcisismo político institucionalizado, onde o culto da personalidade substitui a substância e a ambição pessoal eclipsa o dever público.
Trump transformou o ego em estratégia; e, em certos governos regionais, assiste-se à tentativa inquietante de replicar esse modelo em escala doméstica, mascarado por formalismo democrático e aparato institucional.
Nos Açores, por exemplo, o setor do transporte aéreo continua refém de decisões desinformadas e curto-prazistas, sem uma visão integrada de coesão territorial, sustentabilidade económica e inserção no espaço europeu. Como em geopolítica, também aqui se exige estratégia, dissuasão inteligente e liderança com sentido de missão — não apenas gestão de calendário eleitoral.
Num tempo em que o mundo exige grandeza de espírito, lucidez estratégica e coragem institucional, seria exigível que a liderança — tanto nacional como regional — se elevasse ao nível dos desafios. A história não recompensa a hesitação, nem o futuro pertence aos que confundem lealdade com submissão.
Enquanto não fizermos da política uma arte nobre de serviço ao bem comum — enraizada no saber, na entrega e na humildade — não estaremos a governar: estaremos apenas a ocupar um lugar, a desperdiçar tempo e a trair a confiança de quem em nós acreditou.
E não será apenas a história a julgar-nos com a severidade reservada aos oportunistas. Serão os nossos filhos, quando for tarde demais, confrontados com o vazio deixado pelas nossas escolhas — e pelos erros que já não poderão ser corrigidos.