Incêndio no HDES e Mortalidade: O Dever de Responder com Precisão

O artigo publicado no Jornal Açores 9 no passado dia 24, da autoria do ilustre Deputado Regional eleito pelo PSD, Dr. Joaquim Machado, sob o título “Mais Óbitos?”, obriga-me a retomar o tema do excesso de mortalidade verificado na ilha de São Miguel em 2024. A razão é simples: o Sr. Deputado tenta — sem sucesso — distorcer não apenas o que defendi, mas também, e mais gravemente, a própria realidade dos factos.
Numa análise, a sua sim precipitada, o Sr. Deputado demonstra não ter compreendido as minhas declarações, no passado dia 3 de Abril, durante a longa audição de mais de oito horas na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Incêndio no HDES, tão-pouco os artigos de opinião que publiquei no Jornal Correio dos Açores, nos quais apontei um conjunto de indicadores profundamente preocupantes.
Constata-se, infelizmente, que o Sr. Deputado incorre em vícios de raciocínio, ignora dados relevantes e, como consequência, comete erros:
- Não afirmei, em momento algum, a existência de um nexo de causalidade entre o incêndio no HDES e o aumento da mortalidade na ilha de São Miguel em 2024. O que disse — e escrevi — foi que “dificilmente se pode negar a ligação entre as decisões tomadas após o incêndio no HDES e este alarmante aumento da mortalidade em São Miguel e Santa Maria”;
- É igualmente falso que eu tenha observado apenas dois anos. Na realidade, a minha análise considerou os dados de 2022, 2023 e 2024, que constam da base de dados da Vigilância da Mortalidade da Direção-Geral da Saúde (DGS);
- Dos números apresentados pelo Sr. Deputado no seu artigo, apenas o relativo aos óbitos na ilha de São Miguel em 2022 está correcto. Todos os demais contêm erros, tendo como referência da base de dados da DGS, acima citada;
- Por exemplo, na ilha de São Miguel:
1) O número de óbitos não aumentou +181, em 2024 face a 2023, mas sim +111;
2) Em relação a 2024, em 2022 não houve um aumento de +103 óbitos, mas sim de +97;
3) Comparando 2021 com 2024, não houve um aumento de +273 óbitos, mas sim uma redução de -33;
- A comparação directa entre 2024 e 2022, feita pelo Sr. Deputado para sustentar a sua tese, desmonta-se com facilidade. É verdade que a mortalidade foi superior em 2022 — mas não apenas em São Miguel: todas as ilhas registaram maior mortalidade nesse ano. Em 2024, relativamente a 2022, a mortalidade na Região Autónoma caiu -10%: -7% em São Miguel e -13% nas restantes ilhas. Também neste indicador, São Miguel apresenta resultados mais desfavoráveis que o restante arquipélago;
- Mais, o Sr. Deputado omite que, em comparação com 2023, a ilha de São Miguel está em contraciclo com as restantes ilhas. Em 2024, a mortalidade aumentou +10% em São Miguel, enquanto nas outras ilhas diminui -3%. Esta realidade também contrasta com a tendência nacional, onde o número de óbitos em 2024 diminuiu 1% face a 2023.
Por fim, nem ao Sr. Deputado nem a mim compete explicar detalhadamente os números. A minha intenção foi apenas colocar o tema em debate público, quando ninguém o fez — incluindo o próprio Sr. Deputado. Limitei-me a responder à pergunta número 40 constante da convocatória para a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Incêndio no HDES, aprovada pelo Sr. Deputado: “Há alguma correlação entre a mortalidade registada nos Açores em 2024 e o incêndio no HDES?”
A responsabilidade democrática de informar a população sobre os indicadores de saúde pública cabe à Secretaria Regional da Saúde. Este organismo governamental dispõe de técnicos competentes e tem acesso à base de dados da Vigilância da Mortalidade, com informação detalhada sobre a história clínica e as causas de cada óbito para os necessários estudos epidemiológicos.
Essas explicações — que tardam — deveriam ter sido exigidas há muito pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Enfermeiros. Provavelmente irão contrariar as declarações da Sr.ª Secretária Regional da Saúde, proferidas no passado dia 21 de Fevereiro, quando afirmou que “2024 foi um ano muito bom para o Serviço Regional de Saúde e para os utentes”.
Ponta Delgada, 24 de Abril de 2025
João Quental Mota Vieira
Eng. Electrotécnico (IST) e MBA (UAç)