O especialista Vasco Becker-Weindberg, doutorado em Direito do Mar, admitiu hoje que os Açores e a Madeira deviam ter outro tratamento em matéria de gestão das suas águas.
“Aquilo que me parece evidente que não pode acontecer, é uma região autónoma ser tratada como se fosse um serviço dependente de outros serviços centrais”, disse Vasco Becker-Weindberg, que é também mestre em Ciências Jurídico Internacionais, numa audição na comissão eventual de Acompanhamento das Políticas Marítimas do parlamento açoriano, reunida em Ponta Delgada.
O especialista, que já foi deputado no Parlamento Europeu, eleito pelo CDS-PP, admitiu que, se pudesse voltar atrás no tempo, sugeria alterações à redação da chamada Lei do Mar, que considera as águas que envolvem os Açores e a Madeira como matéria da exclusiva competência da República.
“Hoje, se tivesse que atuar novamente como legislador nesta matéria, apresentaria soluções mais arrojadas e mais inovadoras e, seguramente, não seguindo o modelo que foi seguido na altura, ainda que por decisão política”, insistiu Vasco Becker-Weinberg.
Respondendo a questões colocadas pelos deputados a propósito das divergências que esta matéria tem gerado entre a República e as regiões autónomas, o especialista considerou que o mar não devia ser motivo de divisão, mas sim de união.
“Acho que não faz qualquer sentido que se mantenha esse sentimento de desconfiança de parte a parte quando o mar deve, obviamente, nos unir e deve ser capaz de gerar boas soluções e não ser motivo de divisão”, defendeu.
Vasco Becker-Weinberg recordou que, em matéria de gestão das suas águas, o arquipélago dos Açores já deu provas concretas da sua capacidade ao aprovar recentemente na Assembleia Regional um diploma que aumenta para 30% as áreas marinhas protegidas na região autónoma.
“Aqui há vários exemplos bem-sucedidos, onde as regiões autónomas desempenham um papel fundamental, eu diria mesmo insubstituível, ou seja, a ação do Estado centralizador não faria melhor do que as regiões autónomas fazem já hoje”, realçou o especialista, referindo-se às novas reservas marinhas.
O secretário regional do Mar e das Pescas, Mário Rui Pinho, também ouvido hoje pela comissão eventual de Acompanhamento das Políticas Marítimas, defendeu, por outro lado, que uma resolução do conflito entre as regiões autónomas e a República em matéria de gestão do mar passa por uma revisão constitucional.
“Penso que começa a haver na região autónoma dos Açores, e também na Madeira, um consenso generalizado de que é preciso haver aqui uma clarificação relativamente a este conceito de gestão partilhada da titularidade do domínio público marítimo”, realçou o governante.
A Assembleia Legislativa dos Açores está a ouvir personalidades e instituições sobre a gestão do mar dos Açores e da Madeira, contemplado na Lei de Bases de Ordenamento do Espaço Marítimo, aprovada em 2014.
O diploma nacional foi revisto em 2023, mas sem corrigir os artigos que eram contestados pelos dois arquipélagos, situação que gerou um novo protesto por parte do Governo Regional, liderado pelo social-democrata José Manuel Bolieiro.
“Não pode a proposta de lei em apreciação, simplesmente ignorar ou violar o Estatuto Político e Administrativo da região nesta matéria, não prevendo um efetivo procedimento decisório de gestão partilhada dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas”, referia o parecer enviado na altura pelo executivo açoriano.
A Assembleia Legislativa dos Açores também emitiu, na mesma ocasião, um parecer desfavorável às alterações à Lei do Mar, por entender que a iniciativa “não respeita a autonomia regional”, além de “esvaziar” as competências dos Açores.