Alexandra Manes

Nenhuma pessoa, no seu perfeito juízo, poderia esperar de um governo regional a capacidade de manter uma dívida a zero, muito menos fazê-lo sem consequências negativas para o restante arquipélago. Contrariamente ao que se lê por aí nas missivas encomendadas, o conservadorismo económico não é, nem nunca foi, uma política de cautela. É, acima de tudo, uma estratégia de valorização dos grandes grupos económicos, em paralelo com o espezinhar dos mais fracos e enfraquecidos socialmente. Trata-se de conceder mais privilégios a quem vem de fora comprar empresas públicas, fajãs e outras coisas que tal, e dar muito menos a quem cá vive e só gostava de ter dinheiro para pagar uma renda no centro da sua cidade. Trata-se de privilegiar quem mais tem e que, num Estado Social, deve contribuir conforme os seus rendimentos.

José Manuel Bolieiro assumiu essa realidade, finalmente, no rescaldo de uma recente reunião com os representantes dos conselhos de ilha. Foi um momento histórico, por ter trazido a terreiro aqueles que, pelo menos em teoria, falam por cada uma das ilhas, para um debate com o líder político em grau mais elevado no nosso arquipélago.

Deveria ter sido espaço para promover novas maneiras de encarar as imensas dificuldades que enfrentamos. Mas isso implicaria uma representatividade mais legítima nos conselhos de ilha, que aparentemente não temos. Não me parece justo que os menos favorecidos estejam a ser supostamente representados por quem nunca lhes quis reconhecer.

Seja como for, Bolieiro disse que não havia dinheiro para tudo, nessa reunião. Não se sabe se houve mudanças estruturais nos gabinetes de comunicação deste governo, até porque eles decidiram extinguir o organismo que deveria servir para o efeito e cuja designação foi somente alterada.

Ainda assim, é inevitável reconhecer que, ultimamente, os líderes políticos começaram a assumir que não há dinheiro. Após anos a cativar verbas em todos os departamentos públicos. Depois de memorandos, circulares e diretrizes internas para alcançar a dívida a zeros. E após tantos discursos conservadores, promotores do grande capital e da iniciativa liberal, por parte do senhor secretário das finanças, Bolieiro assume que não serviu para grande coisa. Não há dinheiro na mesma.

Pois bem, se não há dinheiro para tudo, é preciso pensar na forma como se vai aplicar o que existe. Desde logo, porque continua a chover dentro de departamentos públicos. E porque esses problemas continuam a agravar-se, de dia para dia, temporal em temporal, onda de calor em onda de calor. Nos museus, os edifícios tornam-se ruínas, sem capacidade de se sustentar, e a solução do Governo Regional foi mudar o nome do responsável, que deixou de ser chefe de serviços do património e passou a ser promotor cultural.

Nas escolas, os funcionários desdobram-se entre o trabalho de ajudar as nossas crianças, e o sacrifício de serem empregados de limpeza atempo inteiro, esvaziando baldes de água da chuva, limpando goteiras arcaicas e sobrevivendo sem saber como vai ser o dia de amanhã. Há secretarias onde demora tanto tempo a ligar o computador que mais valia irem buscar as velhinhas máquinas de fax às reservas museológicas, não fosse o problema de elas estarem estragadas porque também chove lá dentro.

Bolieiro disse que não havia dinheiro para a manutenção das infraestruturas,desculpando-se com a falácia dos fundos comunitários, quando o objetivo desses nunca foi a manutenção, tentando um lavar de mãos. Mas, senhor presidente, há dinheiro para algumas coisas, convenhamos. Enquanto as escolas estão a cair de podres, parece haver dinheiro para um gabinete pessoal, na secretaria da Educação. E enquanto se faz esse gabinete, há ainda uma nova obra no edifício ao lado, para poder ter ali um espaço provisório. Ou seja, são duas empreitadas seguidas, que servem a senhora cujos valores serviríamos professores, os museólogos e todas as pessoas que trabalham em cultura e educação que continuam a apanhar baldes.

Pode não haver dinheiro para tudo, mas para isso devia haver.

No desporto, já se atiram pedras aos telhados de vidro da nova equipa dirigente, com problemas na própria organização da mesma. Na saúde, a vida corre como sabemos. António Ventura não sabe bem onde se enfiar, depois de tantos banhos de glifosato, mas sabe que a tourada é para manter. Até se dão subsídios adicionais de 10.000 euros aos ganadeiros, vejam bem. E falam em subsídio-dependentes? Não há dinheiro é para o que não querem.

Não sabemos que soluções existem no futuro deste governo. Até ao momento, permanece uma nuvem negra por cima de vários dos seus dirigentes. Fazem-se promessas num dia, para uns meses depois vir desmenti-las. As pessoas votaram nisto, é certo. Menos certo é perceber se votaram com conhecimento do que viria a acontecer.

Não há dinheiro, senhor presidente. Mas há dinheiro para muita coisa. Entendam-se as prioridades, ou mudemos de cor, antes que afundemos o pouco que falta para salvar.

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