O título desta reflexão poderia ter sido outro, menos incisivo, mas prende-se com uma irritação que cresce dentro de mim, e sei que de muitas outras pessoas, nos dias que correm. O conservadorismo regressou, para tomar o lugar dianteiro na forma como todo o mundo encara a vida quotidiana. Normalizou-se a ideia de que precisamos de regressar a um tempo onde fomos felizes. Perdemos o sonho de ser melhores e apenas desejamos ser o que já um dia julgamos ter sido.
Se isso se passa a nível mundial com uma violência que emana do centro de poder de Washington e da oligarquia que a Casa Branca pariu, em Portugal esse problema não é novo. É, aliás, uma das mais antigas tradições do tuga. Ser conservador é quase tão português quanto escutar fado em Alfama, comer tripas no Porto ou beber uma poncha à pescador ao cair da tarde, no Funchal.
Ao longo de séculos intermináveis, foram muitos os autores que discorreram sobre a condição marítima de se ser português. Julgaram-nos aventureiros, capazes de cruzar mares e descobrir terras. Glorificaram o espírito indomável de um tuga que nunca existiu, para fazer da nossa nação uma herança que merece N maiúsculo e honras de Estado. Tenho muitas dúvidas e questões sobre tudo isso, que culminou com a política de propaganda de António Ferro e Oliveira Salazar, ainda hoje bem visível nos congressos de partidos como o PSD ou a mais recente e não menos infeliz Iniciativa Liberal.
O conservador português terá nascido nessa ideia de glórias antigas e condições exclusivas do nosso povo. Mas, a partir desse lamentável estaleiro, a obra expandiu-se a passou para lá do horizonte político-ideológico. Não nos esqueçamos que Pedro ganhou a batalha pelo Liberalismo, contudo foi o Absolutismo de Miguel que venceu a guerra pela alma do reino.
Hoje, encontramos o conservador tanto na esquerda como na direita, e quase sempre ao centro. Deparamos com a sua maneira de olhar o mundo na praça de Fátima, no Santuário do Santo Cristo ou na Senhora do Monte. Constatamos que infetou a sede da Opus Dei, os palácios da Maçonaria, os taxistas do Bairro Alto e as tasquinhas da Tia. Verificamos a presença do conservador nos salões de Cascais e nas salinhas da Ribeira, tanto na betinha que vai à feira da Golegã com os tios, como na peixeira que grita o preço do pargo, por entre vírgulas e palavrões.
Nos velhos comunistas de outros tempos, que tanto combateram pela igualdade de um povo e pela comunhão de um ideal, vemos pessoas que agora reagem com homofobia ao simples desejo de alguém ser livre. Nos de sangue azul, que se dizem agentes provocadores de mudanças sociais, não nos surpreenderá assim tanto perceber que o que lhes interessa é regressar a tempos de tradição bafienta, onde o povo se ajoelhava à porta do senhor feudal, e onde a única coisa que interessava era ter uns trocos para meio copo de vinho e uma tourada de praça.
Graças a esses conservadores, o país sofre o profundo flagelo da incompetência. Sem rebeldia nem ensejo de mudança para um futuro, passamos a produzir políticos de muita fraca qualidade, que se apoiam em populismos para sobreviver, mas que não conseguem perspetivar estratégia que vá mais longe do que a de proteger a sua própria pele. Essa é a principal razão que leva a que se agarrem às mesas de voto interno, com favores e propostas. É o motivo que produz votos de apoio a Javier Milei, que são consensuais entre os ricos latifundiários e os microempresários. E é nessa mentalidade que se reúnem as condições necessárias para mercenários sem moral se congregarem em torno de um partido de índole fascizante, que despreza o pobre e o infeliz, e almeja ser rei sentado num trono construído por malas furtadas e outros crimes bem mais perigosos.
O conservador esteve nas caixas de comentários das redes sociais a proteger os polícias que agora foram acusados de ter sabotado o assassinato de Odair Moniz. Levantou os braços para defender quem espancou Ademir Moreno à porta de uma discoteca, na cidade da Horta. Defendeu o despedimento de mulheres lactantes. Reuniu esforços para fazer esquecer as vítimas de violência doméstica, em defesa de mentiras sobre a criminalidade estrangeira. E está na direita, e na esquerda, não se esqueçam. Porque também há os que querem extinguir a condição de transexual, porque não a entendem. Há jovens que andam com a palavra emancipação ao peito, mas não se importam de dar uns sopapos na namorada se ela se armar em espertalhona.
E gente que passeia cravos na mão, enquanto no seio do seu coração acredita que o que é preciso é uma mão forte para mandar nestes miúdos que se sentam no meio da estrada a protestar o fim do mundo.
O conservador odeia por igual e não percebe, ou finge não perceber, que o tempo chegará em que lhe virão buscar também. Primeiro a menina transexual, depois o homossexual, segue-se o negro e a cigana, o ativista e a fulana feminista.
Mas, chegará também o dia dos oligarcas portugueses, e dos Venturas que eles financiam, tomarem as rédeas deste país, se nada fizermos em contrário. E será nesse dia que o conservadorzinho, que nem dinheiro tem para se sentar na tomada de posse, será também colocado junto do grupo de perseguidos. Aí já será muito tarde.
Não se esqueçam de relembrar isso a quem vos rodeia. Ser conservador é um erro que não podemos pagar nos tempos que correm. Honremos certamente o nosso passado, valorizando historiadores, antropólogos e arqueólogos, mas não deixemos de construir futuro. Afinal, não é necessário fazer Portugal grande, outra vez. É preciso é fazer de Portugal o que ele nunca foi. A começar por nós.