Alexandra Manes

De 24 a 26 de janeiro do corrente, a Terceira, recebeu um evento dedicado ao enaltecimento de uma prática, que sob o ponto de vista legal, é assumida como sendo cultural.Na minha perspectiva, e considerando as minhas convicções, o Fórum Mundial da Cultura Taurina é um evento tenebroso, onde se reúnem bafientas vestes de quem ainda faz bandeira identitária da arte de bem infligir dor e sofrimento a animais, (touros e cavalos), unicamente por diversão. É apenas disso que se trata, quando se fala em “afición”, palavra cuja origem etimológica é espanhola.

Nodia em que a ilha das Flores teve de ser abastecida com bens essenciais, pela Força Aérea Portuguesa, o Sr. Secretário da Agricultura e Alimentação discursou na abertura do referido fórum, clarificando as prioridades do Governo Regional de José Manuel Bolieiro, para o futuro da cultura nos Açores.

Atendendo à forte possibilidade de António Ventura ser candidato à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, não podemos deixar de fora o cenário de ter reforçado, naquele momento,uma espécie de pré campanha eleitoral. O Sr. Secretário pode andar esquecido, acerca dos Órgãos de Soberania de Portugal. Por isso mesmo, relembro-o do ponto 1, do Artigo 110.º da Constituição da República Portuguesa que diz: “São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.” Todiava, verifica-se que soube aproveitar o espaço, a assistência e o tempo para vincular a sua posição, admitindo que, e passo a citar, “a região possa vir a legalizar a sorte de varas.”, com o atual quadro parlamentar.

Numa breve revista pelo painel de convidados, que apresentou receios e recuos na forma como se deve abordar a tauromaquia, e quase que como quem vai a medo, foram-se falando dos subsídios públicos, fundamentais para a dependência de um setor que só enriquece a cultura de alguns novos-ricos e dos poucos de sangue azul que nos vãorestando. Ouviu-se, com bastante frequência, a expressão de os toiros saem a seus amos. Coisa que não desejamos ao mais liberal dos animais, a julgar pelo discurso económico que se impôs no palco terceirense.

Importa, de igual forma, observar com algum cuidado o que se encontra plasmado nasconclusões daquele fórum. As autoridades que subscreveram o documento, manifestam-se amedrontadas, perante um ataque cerrado da parte de governos que alegam ser autoritários e controladores. Mostraram repúdio para quem diz que o animal sofre, defendendo-se em estudos veterinários, que mais-valia serem trabalhos feitos por videntes, atendendo a que qualquer dor provocada não poderá ser lida nos lábios de quem não fala, já que o trabalho desenvolvido por Illera não contou com revisão de pares científicos, em relação a essa matéria. Por outro lado, as tais conclusões também se afirmam esperançosas, face a circunstâncias recentes. Que circunstâncias são essas? Não são mencionadas, mas nós podemos muito bem revelar, sem grande dificuldade.

A tauromaquia está umbilicalmente ligada à ideologia mais conservadora da sociedadecivil, mantendo-se de pé por fios de marioneta que a ligam diretamente àsclasses mais abastadas e aos centros de poder da mais salazarenta direita portuguesa. Escudam-se os defensores da prática num manto de tradição cultural que é tãorelevante quanto a tradição de segregar povos foi na África do Sul ou nos EstadosUnidos da América. Escuda-se o patronato no gosto que o povo tem pela tourada,esquecendo-se de dizer que esse gosto foi incutido, de forma insistente e centenária,pelos velhos barões, a quem interessava entreter as massas. Do circo de Roma à praça do Campo Grande, não vai assim um salto tão grande.

O que eles querem dizer, quando dizem que as circunstâncias recentes são melhores, é que agora há mais extrema-direita no poder, pelo mundo fora. Simples assim.

Regressando às declarações de António Ventura, note-se que ali falou ao lado de Álamo Meneses, numa clara união de mentalidades entre os dois grupos parlamentares que vão decidir as próximas autárquicas em Angra.

Acontece que a Sorte de Varas não é mais do que um ato aberto de massacre, que

ninguém poderá defender como sendo inocente ou não trazendo danos para os animais envolvidos. A prática do sangramento é, evidentemente, uma ação abominável, que qualquer civilização deverá repudiar, sem para isso precisar de ser classificada como extremista ou radical. Um profissional formado em zootecnia deveria ter obrigação de gritar bem alto, no palco do Centro Cultural, contra tamanha barbárie.

A concretizar a proposta para a legalização da Sorte de Varas/Corridas Picadas, esta será a quarta tentativa, relembrando que em 2002 foi reprovada pelo Tribunal Constitucional; em 2009, rejeitada na ALRAA; e em 2015, retirada pelo proponente devido à forte pressão da sociedade civil, que se fez ouvir.

Já não temos Zuraida Soares, Aníbal Pires, nem Paulo Mendes, no parlamento açoriano, mas temos senhoras e senhores deputados com sensibilidade nesta matéria. O que não será difícil de se ter, já que num dia o Secretário, em questão, afirma que os Açores estão na vanguarda do bem-estar animal, e noutro dia apoia picar bovinos.

Resta-nos repescar uma conclusão que encontramos por aí, numa das muitas reportagens de propaganda favorável ao tal fórum. Dizia o seu autor que, aconteça o que acontecer pelo mundo fora, Angra do Heroísmo continuará a ser tauromáquica. É impossível não nos lembrarmos da afirmação de Salazar, quando confrontado com o resto do mundo, acerca das suas políticas coloniais. Até quando permanecerá Angra orgulhosamente só? Quem de nós será capaz de desejar um arquipélago onde seja legal que o sangue de touros e cavalos mancheuma região que se quer afirmar pelas especificidades da sua natureza?

Não deixa de ser confrangedor o silêncio de Bolieiro e de Sofia Ribeiro, relativamente a esta matéria. Aliás, para além das posições assumidas pelo BE e PAN, aguarda-se a posição dos restantes partidos com assento parlamentar, e a ação de todas as pessoas que são contra a Sorte de Varas.

Relembro que este é um assunto que não diz respeito somente à ilha Terceira, mas a todo o arquipélago e a todo Portugal.

Há por aí um abaixo-assinado a correr. Aquelas e aqueles que ainda desejarem ter a coragem de enfrentar este velho poder autoritário, vão a tempo de o subscrever no website da Petição Pública.

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