Nos dias que antecedem a discussão final e votação do Plano e Orçamento há sempre uma inflação de soluções milagrosas trazidas à praça pública. Com o mesmo dinheiro, porventura até com muito menos, há gente que, diz, faria bem melhor – outras prioridades, mais eficiência, menos burocracia, sucesso garantido – desafiam as regras do mercado, tornam obsoletas as leis das finanças públicas, fazem corar de modéstia qualquer nobel da economia. Abençoada gente, dotada de virtudes máximas, que o Criador negou ao comum dos mortais. Verdadeiros especialistas em generalidades, não leram manuais e quase dispensaram os bancos das escolas. Fizeram currículo em muitos lugares, sempre de impercetível relevância por miopia de impiedosos mandantes, justificam. Mas a natureza fê-los irrepreensíveis e por isso se voluntariam com deleitação na arte de apontar erros. Opinam espontaneamente sobre o mando e fazem cruzadas contra o desmando. Beata gente.
Confrontados com a realidade das coisas, com o imperativo da decisão, quando se joga o interesse coletivo em detrimento de circunstâncias pessoais ou de grupo, quando os recursos escasseiam e as prioridades têm de ser mais estruturais do que conjunturais, quando a lei e os tribunais vão em sentido diverso do senso comum, nessa altura o valente especialista em generalidades não vai além do velho cavaleiro andante criado por Cervantes. Lá estão os moinhos, a fantasia, a Dulcineia de Toboso, a idiotice, também. E, invariavelmente, o desfecho.
Como no romance, lá tarde, o “Cavaleiro da Fraca Figura” recupera a consciência.