As Festas do Espírito Santo, transversais às nove ilhas, são o “fator de identidade” dos Açores, onde chegaram com os primeiros povoadores e continuam a ser, séculos depois, caracterizadas pela partilha, caridade e comunhão.

“O fator de identidade dos açorianos é, sem dúvida, a Festa do Espírito Santo, quer na região, como fora. Vemos isso nas comunidades açorianas na América, no Canadá e no Brasil. Os emigrantes levaram as tradições para esses locais”, explica à agência Lusa o historiador Carlos Enes.

Em todas as nove ilhas dos Açores existem festas em honra do Divino Espírito Santo, com diferenças nos ritos, mas com momentos comuns (a distribuição de refeições e as coroações) e elementos típicos do culto, como as bandeiras, as coroas de prata e o hino.

“É uma festa muito complexa. Há diferenças rituais na própria ilha, de freguesia para freguesia, como há diferenças entre as ilhas, mas como é uma festa comum acaba por ser um elemento de identidade da população”, prossegue, lembrando que o Dia dos Açores acontece na segunda-feira do Espírito Santo, este ano dia 20 de maio.

Aquando do povoamento dos Açores, a partir do século XV, as festas estavam espalhadas pelo território nacional, tendo sido natural que também tivessem chegado ao arquipélago.

“A festa do Espírito Santo é uma festa de entreajuda, de solidariedade, onde se come, bebe e dança. Tendo em conta a situação de afastamento das terras de origem e da saudade que isso provocava, eles vão encontrar nas festas um momento de alegria e comunhão”, explica o historiador, defendendo as origens pagãs das festividades.

No século XVI, a igreja inicia uma “perseguição” às festas, que se “desenrolavam em desacordo” com a hierarquia eclesiástica, onde o “padre assumia uma figura secundária”, uma vez que o culto é organizado pela população.

A atitude da hierarquia católica fez com que as Festas do Espírito Santo, que tiveram início em Alenquer (distrito de Lisboa), acabassem por desaparecer em quase todo o país, mas mantido a “força” nos Açores, embora ao longo dos séculos com “momentos altos e baixos”.

Segundo Carlos Enes, a permanência do culto no arquipélago está relacionada com “religiosidade dos açorianos”, com a abundância da carne, pão e vinho e o “medo terrível” que as pessoas tinham de ser “castigadas pelo divino” caso não organizassem as festas.

Para o cónego Helder Fonseca Mendes, as festas apresentam a “dimensão da piedade”, que pode ser “individual, familiar ou comunitária”, e da caridade, através da “partilha de refeições e das esmolas”.

“A fé tem sempre uma razão interior, mas as Festas do Espírito Santo têm essa vantagem de se manifestar de uma forma esplendorosa. O que vemos são as expressões. As expressões são muito ricas e são as de estamos unidos pela mesma fé em Deus”, assinala.

O padre destaca o “poder de servir os outros” como uma das características das festas, bem como a coroação onde “culmina todo um processo que advém de um pedido ou de uma graça”.

“As pessoas têm o prazer de servir e dar. Isso é de uma grandeza que comove e impressiona toda a gente”, salienta.

A tese de doutoramento de Hélder Fonseca Mendes identifica o culto do Espírito Santo nos Açores com a terceira figura da Santíssima Trindade da igreja Católica e não com uma “realidade abstrata” ou uma “mitologia de outros povos”.

“O povo açoriano agarrou essa tradição. Mesmo com a modernidade, manteve a tradição no seu essencial, nos valores, que são valores evangélicos e humanos muito ricos e, portanto, cristãos, que se manifestam de várias formas, como a oração nas casas, os cortejos ou o momento da coroação na igreja”, acrescenta.

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