Passaram vinte anos desde a abolição do serviço militar obrigatório, em Portugal. Em vinte anos o país mudou, a Europa e o mundo também. Portugal, em 2004, seguiu a tendência europeia fazendo uma transição, ao longo de quatro anos, fruto do necessário redimensionamento das forças armadas nacionais, passando de um modelo onde se previa a conscrição para um modelo assente no voluntariado.

O mundo está em guerra permanente e, não fosse a situação que a Ucrânia vivencia, provavelmente este tema não estaria na agenda mediática nacional e europeia. Contudo, a guerra naquele país e o contexto de apoio da União Europeia alteraram o paradigma. De facto, temos vindo a assistir paulatinamente a um aumento dos valores a atribuir aos orçamentos para a defesa em diversos países da União Europeia, o que configura um apoio de extrema importância à guerra que a Ucrânia trava com a Rússia. A União Europeia já demonstrou e bem a sua contínua solidariedade e apoio à Ucrânia.

A verdade é que, ao longo da última década, houve um significativo desinvestimento nas forças armadas, pelo que os modelos de recrutamento adotados, associados à redução de incentivos na carreira militar foram sendo determinantes pela negativa naquilo que tem sido a quantidade de ativos militares que as nossas forças armadas são capazes de recrutar.

É necessária uma reformulação profunda no que diz respeito às forças armadas mas, a meu ver, seria totalmente irresponsável voltar a introduzir o serviço militar obrigatório. Ora, Portugal não tem capacidade logística e financeira para o efeito, sobretudo no que concerne a questões como alimentação, alojamento num curto período, pelo que só por aí, a medida se tornaria completamente inviável. Não há essa capacidade. Que impacto teria na economia nacional esta reestruturação e redimensionamento dos ramos militares? A questão logística que mencionei não se prende apenas com os indivíduos, mas também com as infraestruturas disponíveis. É do conhecimento geral o estado do património estatal, pois bem, o Governo teria de investir de forma muito significativas na reformulação das infraestruturas disponíveis, para acomodar todos aqueles que agora teriam como obrigatória a prestação de um serviço militar. Mais uma vez reforço, Portugal não tem essa capacidade.

O contexto internacional de insegurança também se alterou de forma acentuada. É verdade. Os impactos económicos e sociais deste retrocesso seriam, na minha perspetiva, muito prejudiciais. Se os jovens atualmente já se deparam com sérias dificuldades em construir as suas vidas de forma independentemente, mais difícil seria e mais atrasados estariam com a reintrodução desta medida.

Finalmente, vou abordar a questão da comemoração dos 50 anos de abril pela segunda semana consecutiva. Ora, sendo Portugal uma democracia consolidada, já de si fragilizada no contexto atual pelo considerável aumento da representação política da extrema-direita na Assembleia da República, parece-me pouco democrático e um retrocesso civilizacional que se faça uso de modo coercivo perante os jovens de forma que estes abdiquem das suas liberdades e garantias individuais em moldes muito questionáveis.

Este é tão somente mais um tema para criar divisão na sociedade portuguesa, de si cada vez mais polarizada. Cabe ao Governo criar incentivos à valorização da carreira militar, alterar os moldes de recrutamento, como por exemplo alterar a idade máxima de candidatura, ou munir a carreira militar de outras valências curriculares que incentivem aqueles que se alistam a adquirir competências diferenciadoras para a sua vida enquanto civis, num período posterior à carreira militar, de modo a valorizar o voluntariado que atualmente se pratica.

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