Escrevo-vos numa tentativa de acalmar os meus pesadelos, os meus medos. Escrevo-vos numa tentativa de perceber onde errámos. É que sim… Mais de um milhão de pessoas ter votado na extrema-direita é sinal de que errámos. Errámos todos!

Nos últimos 50 anos, desde o 25 de Abril, a política mudou. E muito. As nossas necessidades foram mudando. As nossas lutas foram mudando. Se, em 1974, as lutas eram pela liberdade, pela democracia, pela saúde, pela educação, pelo saneamento, entre outras lutas basilares e fundamentais para a sociedade, a verdade é que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. É natural que assim seja. É sinal de que foram feitas conquistas.

O que nos resta então? Para muitos, nomeadamente jovens, um vazio. Um vazio de identificação, de ideais pelos quais lutar. E isso afasta-vos, inevitavelmente, da política. Eu entendo. Mas agora, pensem comigo. O que conquistámos nestes (quase) 50 anos de Democracia, juntos, não nos deveria pedir mais responsabilidade? Não nos deveria permitir mais consciência daquilo que já fomos e daquilo que conseguimos ser hoje? Por muitos problemas que ainda existem por resolver – e eu sei que reclamam isso mesmo! Eu também. Todos nós. –, andar para trás é a vossa solução? Regredir nos Direitos essenciais de uma sociedade é a vossa solução? Eu quero acreditar que todas e todos vós (os 1.108.764) sabem que não.

Foi um protesto, tudo bem. Estão no vosso direito. Mas queria dar-vos apenas um pequeno exemplo do que o vosso protesto significa. Pensem, por um bocadinho, no que sentem quando assistem aos jovens da Climáximo a lutar por aquilo em que acreditam, pensem no que sentem quando as formas de luta escolhidas vos “prejudicam” no vosso dia-a-dia. Seja porque cortam o trânsito, seja porque sujam ou partem uma montra, seja porque atingem políticos com tinta. Em que medida é que isto vos “prejudica”? Atrasam-se uma ou duas horas para um compromisso? Encontram algum sítio, que frequentem habitualmente, fechado para limpeza? Sentem compaixão pelos políticos afetados? Ponto final. No minuto a seguir, a vossa vida continua. Tranquilamente. Apenas e só isso. Mas (e peço-vos, agora, a máxima atenção) o vosso protesto (o vosso voto num partido de extrema-direita!) significa a perda de direitos para as mulheres, para a comunidade LGBTQI+, para os imigrantes, para as minorias, para aqueles que não têm força… O vosso protesto significa um retrocesso civilizacional de 50 anos. Assim, sem hesitações. E não, não dá para, no minuto a seguir, ver a vida continuar tranquilamente. Percebem a diferença? Para os cidadãos que perdem direitos não há “minuto a seguir”. Não há nada. Nada!

Eu acredito, verdadeiramente!, que vocês (os 1.108.764) não são todos racistas, homofóbicos e xenófobos. Não são. Mas, sim, apenas descontentes com o rumo da política em Portugal e, até, no mundo. Mas também são mais do que isso. São privilegiados. Sim, somos privilegiados. Sintamos este direito (e dever) ao voto como um privilégio, enquanto tantos há que não o podem exercer. E, graças a esse privilégio, votaram num partido que promete retirar direitos aos outros. E não a quem neles votou. Sim, cada uma e cada um de vós acredita que o partido que escolheram para protestar não vos vais atingir. Desenganem-se. Atingirá, sim. Chegará a cada uma e a cada um de vós. Chegará aos vossos direitos, liberdades e garantias. Mas, até que chegue esse momento, em que acordarão e perceberão o que fizeram, o que votaram… O rasto de injustiça e desigualdade chegará a tantas e a tantos mais.

Desculpem se vos assustei. Mas eu preciso de cada uma e de cada um de vós. Nós precisamos de cada uma e de cada um de vós. Portugal precisa de cada uma e de cada um de vós. A Democracia precisa de cada uma e de cada um de vós. Voltem!

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