A defesa dos arguidos detidos há três semanas no âmbito de um alegado processo de corrupção na Madeira congratulou-se hoje com a decisão do tribunal, afirmando, à saída do Campus de Justiça, em Lisboa, que foi “feita justiça”.
À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) de Lisboa, após o juiz ter determinado a libertação “de imediato” dos arguidos Pedro Calado, ex-presidente da Câmara do Funchal (PSD), Avelino Farinha e Custódio Correia, o advogado André Navarro de Noronha afirmou aos jornalistas ter sido feita justiça.
“Estou satisfeito porque o sistema funcionou. Não funcionou à primeira, na detenção, não funcionou à segunda, na promoção [das medidas de coação], funcionou, e bem, na decisão”, disse o advogado do empresário Custódio Correia.
De acordo com o advogado, a “justiça funcionou”, mas o Ministério Público (MP) tem de fazer “uma reflexão sobre a ação penal” e a forma como interpreta o princípio da legalidade, lembrando os meios usados para a detenção que foram de Portugal continental para a ilha da Madeira.
Recusando responder se a decisão do juiz Jorge Bernandes de Melo é um arraso à atuação do MP, Navarro de Noronha disse apenas ser o “sistema a funcionar no melhor momento em que devia funcionar”, salientando que o juiz “fez uma análise boa, demorou o tempo que teve de demorar e com bom resultado”.
Já Raul Soares da Veiga, advogado do empresário Avelino Farinha, disse que a decisão do juiz foi “a mais correta e a melhor possível” desta fase, lembrando que sempre defendeu que se tratavam de “circunstâncias especiais” quando era questionado sobre o tempo que estava a demorar o processo.
“Muitos factos imputados, ao longo de muitos anos, com muita prova. Se tivesse sido rapidíssimo, teria sido uma coisa péssima para a defesa”, considerou, frisando que os portugueses podem “olhar para a justiça com confiança, porque a justiça tem que ver com o rigor das provas, o rigor do direito”.
Soares da Veiga acrescentou também que os interrogatórios “foram muito claros” para a decisão do juiz, mas também a prova que se conseguiu analisar durante o processo.
“O juiz chegou à conclusão de que, em face do que foi apresentado – a indiciação do MP, uma alegação muito longa, com muitas páginas, as provas, os interrogatórios, o que as defesas disseram -, não há indícios da prática dos crimes imputados, isto não é decisão final do processo também, o processo continua”, disse.
Questionado pelos jornalistas se alguém falhou durante a primeira fase do processo, Soares da Veiga afirmou que “não falhou ninguém, que o Ministério Público e Procuradoras fizeram o seu melhor”, salientando achar natural que o MP recorra da decisão, embora considere “que não tem hipótese de ganhar”.
Por seu lado, Paulo Sá e Cunha, advogado do ex-autarca do Funchal, que foi o último a sair do tribunal, reafirmou que a situação de Pedro Calado “assentava numa total ausência de indícios”, pelo que a decisão do juiz de instrução é “muitíssimo correta”.
Contudo, assume que é uma decisão à qual “o MP pode recorrer e é normal que recorra”.
“Eu, se tivesse uma decisão adversa, também recorria”, afirmou.
Lamentando que “depois de tanto aparato se tenha chegado a este resultado”, Sá e Cunha afirmou que a “justiça funciona assim” e que a única coisa que lamenta é que “os três cidadãos tenham estado detidos durante tanto tempo”.
Questionado sobre a decisão de Pedro Calado de se demitir do cargo de presidente da Câmara do Funchal, o advogado defendeu que nenhum político se “deve sentir obrigado a demitir antes de ser acusado ou pronunciado”.
“Infelizmente, instituiu-se entre nós que uma mera suspeita deve levar à demissão de titular de cargo político”, disse.
O ex-autarca do Funchal e os dois empresários detidos há três semanas no âmbito da investigação a suspeitas de corrupção na Madeira ficaram hoje em liberdade, sob termo de identidade e residência, determinou o juiz de instrução.
Segundo o despacho do juiz Jorge Bernardes de Melo, do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, foi aplicada a medida cautelar menos gravosa ao ex-presidente do município Pedro Calado e aos empresários Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, e Custódio Correia, principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia.
“Não se encontrando indiciada a prática, pelo arguido Custódio Ferreira Correia, pelo arguido José Avelino Aguiar Farinha e/ou pelo arguido Pedro Miguel Amaro de Bettencourt Calado de um qualquer crime, deverão os mesmos aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência”, refere o documento.
Na sexta-feira, o MP tinha pedido prisão preventiva, a medida mais gravosa, para os três arguidos.
Entretanto, o MP já anunciou que vai recorrer da decisão de hoje.
A Polícia Judiciária (PJ) realizou, em 24 de janeiro, cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.
A PJ deteve nesse dia o então presidente da Câmara do Funchal, que entretanto renunciou ao cargo, e os dois empresários.
A investigação atingiu também o então presidente do Governo Regional da Madeira (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, foi constituído arguido e acabou por renunciar ao cargo, o que implicou a demissão do executivo.