Há alguma aversão a entrar em cemitérios, que simbolicamente construíram para guardar as memórias de quem mais gostamos e preservar uma parte ínfima daquilo que foram.
Das recordações que mais me apoquentam, são as vezes que passei pelos cemitérios de crianças. Já não existem, na maior parte dos cemitérios contemporâneos, mas ainda encontramos alguns que contam com esse acrescento macabro. Trata-se de uma zona dentro de um cemitério que é reservada ao enterramento dos que partem demasiado cedo.
As campas são de tamanho reduzido. As flores são mais coloridas. Há um silêncio maior do que o habitual naquele pequeno espaço.
É uma sensação de profunda tristeza, estar ali, rodeada de memórias e emoções que só podemos atribuir à morte de uma geração.
É a sensação que sentem os habitantes que vivem os maiores dias de terror dos últimos anos, em Gaza.
O conflito Israelo-palestiniano começou há largas décadas. Desde pelo menos o final do século XIX, quando algumas fações do sionismo levantavam a hipótese de ser construído aquele que viria a ser o Estado de Israel. Depois da barbaridade com que o povo judeu foi confrontado, no pós-segunda guerra mundial, nasce uma nação em terra já habitada. Os problemas, desde cedo, pareceram evidentes. E as soluções, desde logo, foram profundamente ineficazes.
Grandes líderes da geopolítica procuram ajudar. Os povos votaram e manifestaram a sua autodeterminação, que a ONU e as supremas autoridades internacionais fingiram respeitar. Na verdade, o conflito tornou-se palco de gestão de equilíbrios, com a fação ocidental a apoiar, na sua larga maioria, o poder bélico de Israel, e o mundo árabe a fomentar o extremismo religioso na nação palestiniana.
Será uma frase feita falar em problemas dos dois lados. Mas a verdade é que as frases são feitas por terem um propósito. E é evidente que existem problemas de parte a parte.
A começar pela eleição de uma larga maioria de representantes políticos do Hamas, um assumido grupo de cariz paramilitar, que nunca se escusou a violentar os israelitas. Do outro lado da fronteira traçada de forma imaginária, está Benjamin Netanyahu, e o seu governo de ideologia neofascista, que assume um papel desestabilizador na Região, a fim de manter o seu cargo e a popularidade entre o seu povo.
Israel não é Netanyahu e a Palestina não é o Hamas.
Mas o que é certo é que é Israel que avança de forma medonha pela Faixa de Gaza e vai devastando uma sociedade de centenas de milhares de pessoas que ficaram subitamente e literalmente sem chão. É de Israel que partiu o mote de destruição total, chamando os palestinianos de animais e declamando que só parariam quando não houvesse mais nenhum para morrer. Não é dos israelitas, mas é do governo de Israel que chovem os misseis e marcham os tanques,apoiados de forma muito pouco secreta pelos poderes norte-americanos e europeus.
Ao contrário do que se passou com a condenação da Rússia, aquando da invasão à Ucrânia, assistimos a uma Europa que se intimida perante uma condenação efetiva do genocídio que decorre na Palestina. Que se intimida perante Netanyahu, o mesmo que não teve qualquer problema em cercar milhões de pessoas, deixando-as sem água, comida e energia, conseguindo, ainda, cortar-lhes as ligações ao mundo para, claramente impedir que a realidade pavorosa do que se está a passar, não fosse conhecido ou, pelo menos, minimizado.
Uma Europa que preferiu condenar as declarações pertinentes de António Guterres. Mas, afinal, que mentira disse ele? Podemos olhar o que se está a passar sem contextualizar historicamente? Foi exatamente a alienação global do que ali se passou durante décadas, que permitiu que a Palestina fosse sendo invadida e Gaza cercada. E foi essa falta de conhecimento que permite uma desinformação que corre o risco de se normalizar o genocídio que está em curso.
O que se passa em Gaza, e se almeja levar a toda a Palestina, é a criação de um grande cemitério. Onde adultos e idosos vão morrer. E onde as almas de milhares de crianças vão repousar. Ali não há lugar para nos escondermos da realidade. A morte partilha a casa connosco. E ninguém parece querer saber.
É preciso não ter medo de condenar publicamente o que o governo de Netanyahu está a promover. É preciso saber dizer que a Palestina merece muito melhor do que o Hamas. É preciso exigir aos nossos líderes mais e melhor ação naquele que é um dos grandes conflitos dos nossos tempos.
Solidariedade com todos os que sofrem, pelo mundo fora. E assertividade com quem elegemos para nos servir. São as e os principais culpados de tudo isto.