A inspetora-geral da Administração Interna considerou hoje que existe “preconceito” quanto à saúde mental nas forças de segurança, com índices de suicídio superiores à media nacional, e reafirmou o apelo para a sinalização precoce.
“A hierarquia está sensibilizada para esta temática, mas a sinalização dos casos deve ser feita pelos próprios e por quem está na pirâmide hierárquica mais baixa”, disse Anabela Cabral Ferreira em declarações à margem de uma conferência internacional em Lisboa sobre “A saúde mental nas Forças de Segurança: stress, burnout e suicídio”.
“Se algum agente ou militar serve nos Açores ou numa zona mais recôndita de Portugal, é importante que os seus pares e que o comandante do posto e de esquadra tenha a sensibilidade” adequada para sinalizar os casos, porque, “apesar dos investimentos no apoio nesta área, os gabinetes de psicologia estão distantes daqueles 22 mil homens e mulheres que servem em cada uma das forças de segurança”, adiantou a inspetora.
Na conferência estiveram os responsáveis pelos serviços de apoio psicológico da GNR e PSP, apresentando os respetivos “planos de prevenção do suicídio e outras boas práticas na saúde mental dos profissionais”, que contemplam medidas como consultas à distância e formação interna das chefias intermédias.
“Os dados que temos que se encontram disponíveis representam que há uma taxa de suicídios nas forças de segurança superior, em termos relativos, à restante comunidade”, disse a responsável da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), que distinguiu também comportamentos face à doença mental entre os elementos da PSP e GNR, apontando que “a taxa de depressão diagnosticada é superior nas mulheres, a taxa de suicídio é superior nos homens”.
“Isto tem obviamente que nos convocar a todos para encontrarmos soluções”, porque “são homens e mulheres que dedicam muito da sua vida, por vezes até a própria vida, ao serviço de todos nós”, mas também são aqueles que, “na comunidade, têm a prerrogativa do uso da força e do uso de armas de fogo e por isso é também fundamental que esteja assegurado o seu bem-estar, designadamente em termos de saúde mental”, acrescentou Anabela Cabral Ferreira.
A inspetora elogiou os serviços de psicologia das forças de segurança que não dão apenas apoio aos casos identificados mas, “numa perspetiva mais proativa, procuram aqueles que possam ser sinalizados como necessitando de ajuda”.
Mas isso não é suficiente, alertou. Uma das medidas poderá passar pela retirada de porte de arma a quem tenha indícios diagnosticados, já que em 83% dos casos os suicídios são feitos com recurso a armas de fogo de serviço.
No entanto, não há conclusões ainda sobre se o uso dessas armas está relacionado com o seu acesso fácil ou se isso potencia o suicídio.
“Essa matéria tem que ser estudada rapidamente, no sentido de se procurarem soluções, até porque estando alguém sinalizado com síndromes depressivos e que eventualmente possam ter ‘burnout’ ou ‘stress’ não tratado, é porventura necessário que a essas pessoas seja retirada a arma de fogo”, salientou a inspetora-geral.
“Se a sua condição física e mental permitir, os elementos poderão continuar a exercer as suas funções, obviamente com tratamento, mas ficarão desarmados”, acrescentou Anabela Cabral Ferreira, admitindo que há o risco de esta medida poder afastar mais pessoas de se identificarem por suspeita de doença mental.
“Pode ser mais um fator dissuasor no sentido de o próprio não sinalizar a situação em que se encontra, mas não podemos correr o risco de permitir que continuem armados”, afirmou.
Sobre a possibilidade de retirar a arma de serviço fora do horário de trabalho, como acontece em outros países, a inspetora rejeita esse cenário, porque “acontece, e não poucas vezes, que os suicídios acontecem dentro das esquadras e dos postos”.
Na sua intervenção na conferência, Anabela Cabral Ferreira disse que a saúde mental é uma preocupação da IGAI: “Temos presente que a atividade desenvolvida pelos que servem na GNR e na PSP é particularmente difícil, são-lhes exigidos sacrifícios que impactam com a sua vida familiar, com as horas de descanso e, por vezes, até com a própria vida” e “estão expostos a um grau de violência que a maior parte da comunidade não tem de enfrentar, trabalham por turnos, frequentemente deslocalizados da sua área de residência e submetidos a um escrutínio público quantas vezes implacável”.
“É-lhes devido reconhecimento pelo extraordinário serviço que prestam ao país e é-lhes devido que todas as medidas sejam tomadas para que lhes sejam proporcionadas as necessárias condições de trabalho em todas as suas vertentes”, afirmou Anabela Cabral Ferreira, que pediu à audiência que combata os preconceitos quanto à saúde mental.
“Continua a ser necessário desmistificar a ideia de que a doença mental, a depressão, o ‘burnout’, são sinónimos de fraqueza, um terrível preconceito que resulta quase sempre da falta de informação, de reflexão e da fácil adesão a estereótipos”, disse a inspetora.
“A doença não é uma fraqueza, é uma condição que todos devemos reconhecer como tal, é nosso dever respeitar o outro e não julgá-lo. Temos a responsabilidade de estudar, enquadrar e resolver este estado de coisas”, acrescentou.
Presente na sessão de abertura da conferência, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, elencou uma série de medidas que disse estarem em preparação para as forças de segurança, desde obras em esquadras até valorização salarial.
“É pela valorização das condições de vida e do seu bem-estar, que estamos também a contribuir para a sua própria saúde”, afirmou.
“Temos também em curso uma aposta no desenvolvimento de melhores condições ligadas à higiene, saúde e segurança no trabalho”, uma matéria que “temos vindo a dialogar com os sindicatos”, disse José Luís Carneiro, que apontou também o reforço da “formação e a capacitação das mais jovens gerações que concorrem ao desempenho nas forças de segurança”.
“O plano que está, aliás, em desenvolvimento nas forças de segurança relativamente à prevenção do suicídio e ao desenvolvimento de medidas de sinalização precoce” levou a que os serviços de psicologia tenham “vindo a densificar as respostas neste domínio”.