Um livro não é uma música. Pode embalar a alma, deixar-nos alegres ou melancólicos, a pensar no que vivemos e no que virá depois, mas um livro não é uma música que se toca até à exaustão e volta a tocar por entre desassossegos ou hesitações. O livro cumpre o seu destino na última linha lida e nas páginas que volta a abrir na vida do leitor, mesmo repousando na indiferença de uma estante. Quero dizer, raramente se relê um livro – folhear é outra coisa, às vezes em busca de uma anotação, de uma ideia. Com uma música é diferente, todos sabemos.
Em tudo pode haver exceções. Também há músicas inúteis, ouvidas uma única vez, até de forma incompleta. E leituras que se repetem.
Li “O único animal que?” pouco depois do seu lançamento. Marcou-me, a ponto de me deixar embalar noutras obras de Abelaira. Mas nenhuma foi tão longe. O tempo passou e o livro extraviou-se, em circunstâncias nunca apuradas, certamente por descuido de empréstimo mal destinado. E ficou, para além de tudo, o desejo de o voltar a ter entre os melhores nas prateleiras do escritório. Por obra da internet, coube-me em sorte um exemplar novinho, da segunda edição, e logo voltei à leitura. Só uma ou duas vezes acontecera tal com outros livros.
Tenho-me deliciado com as aventuras do macaco hominizado pelo Prof. Garden. Refugiado num Portugal em revolução, dominado por símios, o dito macaco é perseguido por constituir perigo para o Grande Regresso, a involução humana proclamada e preconizada pelos revolucionários. A intemporalidade do livro é evidente. Até parece escrito hoje.