Hernâni Bettencourt, jurista

O relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP está, desde há uns dias, disponível para quem tiver interesse. O documento é composto por 180 páginas. Seis capítulos. 29 conclusões. 13 recomendações. Como gosto destas coisas, e tinha curiosidade de saber aquilo que havia sido colocado no papel, comecei logo por ler as conclusões e depois as recomendações. Gostei do que aí li. Está bem escrito. Está devidamente articulado. Não deixa pontas soltas. Não faz qualquer menção (e bem!) às “caboiadas” no ministério do Galamba, nem à atuação do SIS, etc… Acima de tudo, das conclusões e respetivas recomendações, fica claro que o Governo de Costa tem sido quase sempre exemplar na gestão política da TAP. E digo quase sempre porque, no meio das13 recomendações, lá surge – no item “Para o Governo” – que é preciso “garantir a melhoria da articulação entre a tutela financeira e setorial”; que é necessário “robustecer os canais de relacionamento institucional entre o Governo e as empresas do setor público empresarial” ou ainda que é preciso “melhorar os processos de classificação de documentos”.

Mas esta narrativa, para quem, como eu, assistiu durante muitas horas à comissão de inquérito, tem um problema complicado: exagerou na dose. A senhora relatora até pode ter garantido mais um ou outro mandato na Assembleia da República, mas ficará com a sua credibilidade muito reduzida. É que o relatório, e agora já não me referindo apenas às conclusões e recomendações, parece dizer respeito a outra qualquer comissão de inquérito. O documento, nesta dita versão preliminar, podia e devia ter no cabeçalho ou rodapé de todos as páginas a seguinte frase: a culpa é do Passos! Com isto não quero isentar a responsabilidade do Governo Passos Coelho na gestão da TAP, mas não posso aceitar – e julgo que ninguém de olhos abertos aceita – a imputação exclusiva de responsabilidade política que lhe é feita. Antes e depois de Passos foram cometidos muitos erros. Erros e opções que custaram, custam e custarão muitos milhões aos contribuintes. A esponja que se pretende passar ao pós Passos na TAP (e já la vão quase 8 anos!) não combina com a realidade. E é por coisas destas, e outras que constam expressas nas 180 páginas, que a ilustre relatora – Deputada Ana Paula Bernardo – teve que dizer várias vezes aos jornalistas que o documento “não é a versão do Partido Socialista.” Mas o certo é que, e vamos a exemplos ocorridos na vigência do atual Governo, é-nos dito que a inexistência de contratos de gestão é responsabilidade da equipa da Sr.ª Cristina; a saída com indemnização milionária de Alexandra Reis é culpa exclusiva da Sr.ª Cristina; o anúncio em direto nas televisões do despedimento da Sr.ª Cristina passou ser apenas uma “intenção de demitir os gestores” e, para terminar com a cereja no topo do bolo, “Não se registam situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte das tutelas.” Sem comentários!

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