Diz o nosso ditado que o pior cego é aquele que não quer ver. Mas há um bem pior: aquele que, não sendo cego, finge que é. Vem isto a propósito de uma notícia que foi publicada na semana passada, mas que já ganhou bolor, de tão repetida anualmente que se tornou. Os rankings dos exames de 2022 foram divulgados, como se fossem informação relevante. Lá vieram, como se fossem um disco riscado, procurando passar a ideia do rigor, da isenção, da análise objetiva. Mascarados naquela ideia da meritocracia, mentira divulgada mil vezes.
Sem qualquer surpresa, as escolas privadas de elite surgem no topo dos rankings. Curiosamente, não é o caso das privadas dos Açores, o que mereceria uma análise por parte dos jornais que publicam os rankings, mas enfim, talvez isso lhes seja exigir de mais. Escolas que selecionam os seus alunos com extensos questionários sobre os pais e, nalguns casos, sobre os avós, não vá haver alguma condição de saúde na família que piore os resultados nos exames… Escolas com custos elevadíssimos para quem as frequenta, o que mostra que estamos a falar de famílias nas quais não faltará comida, material escolar e apoios. Estamos, portanto, a olhar para os resultados de escolas que escolhem os seus alunos a dedo e à lupa, sabendo que, à partida, estão a preferir os que garantem melhores resultados nos exames.
No lado oposto ao deste paradigma educativo, temos as escolas públicas, que recebem todos os alunos, sem os selecionar, sem olhar às suas dificuldades e à condição financeira da família. Alunos que podem, ou não, passar fome, não ter dinheiro para material ou explicações, ter a cabeça distraída com a sobrevivência no imediato. Sim, quem conhece as escolas públicas sabe que em cada sala há vários alunos que têm na sua cabeça preocupações que não deviam existir, como a comida, o emprego dos pais, o dinheiro para as necessidades básicas, ou a possibilidade financeira de prosseguir estudos.
À falta de melhor imagem, comparar estas duas realidades tão distantes é como promover um jogo entre a seleção nacional e um clube de bairro… vendendo a ideia de que será uma partida equilibrada.
O que os rankings revelam é o brutal grau das desigualdades que atingimos. Isso mesmo deveria ter sido assumido pelo governo regional, assumindo que estaria a trabalhar para as minimizar. Não foi isso que veio dizer: preferiram o caminho da propaganda, valorizando, em exclusivo, o seu trabalho, esquecendo tudo o resto. Obviamente que cabe ao governo regional sublinhar aqueles que acha serem os seus méritos – não é isso que está em causa. Mas nunca deveria fingir não ver as brutais desigualdades que impedem tantos alunos dos Açores de atingir melhores resultados nos exames e, até, de prosseguir estudos.
E, no fundo, são precisamente as gritantes desigualdades sociais e económicas que melhor explicam a alteração da posição dos Açores no ranking. É que desde que os alunos passaram a escolher os exames que fazem, em vez de terem de os fazer a todas as disciplinas a que estavam matriculados, há uma vantagem acrescida para quem, à partida, tem melhores condições. Daí que só se pode concluir que o pior cego é aquele que finge não ver a relação entre os rankings e as desigualdades sociais. Sobretudo porque, assim, vai preferindo a propaganda ao combate a essas mesmas desigualdades!