Nos Açores, há crianças a trocar charros por drogas sintéticas, quase todas indetetáveis nos testes de despiste a substâncias ilícitas, ficando “mais alteradas, viciadas e doentes”, descreve à Lusa Sílvia Moreira, psicóloga da Alternativa – Associação contra as Dependências.

“Passamos a ter crianças mais alteradas, mais viciadas, mais doentes. A partir dos 11 anos. Para fugir aos testes, deixam de fumar charros e passam a ter um problema maior”, lamenta.

Sílvia Moreira diz estarem em causa crianças que fumavam canábis, “sinalizadas por absentismo ou comportamento desadequado” pela escola ou outras entidades, e depois encaminhadas para a associação para fazer testes de despiste de consumo de drogas.

Para a diretora-geral da Arrisca – Associação Regional de Reabilitação e Integração Sociocultural dos Açores, Suzete Frias, escapar aos testes “pode ser uma das motivações para o consumo, mas não é só nos jovens”.

A “grande causa do consumo nos Açores é a pobreza” e “a maior motivação” é o preço: dois ou três euros, assinala.

A diretora-geral esclarece que os menores a quem a Arrisca dá apoio “têm a partir de 12 anos”, embora “tão novos sejam um número residual”, pois “a média do início do consumo é nos 14/15 anos”.

Os mais novos do que isso “serão crianças que vivem num ambiente onde os consumos são normalizados”, em “situações de exclusão” ou em que “os traficantes usam para vender mas também para viciar, com a perspetiva de angariar novos clientes”, descreve Suzete Frias.

Em abril, um jovem de 15 anos ficou sujeito a internamento num centro educativo após ser identificado por tráfico de droga com “mais de 166 doses de haxixe e de 25 doses individuais de produto indeterminado”, de acordo com o Comando Regional da PSP.

Em 2021, os Açores registaram um aumento de dependências de substâncias psicoativas nas gerações mais novas (13, 14 e 15 anos), disse no fim de 2022 o diretor regional da Prevenção e Combate às Dependências.

“Os jovens com menos de 18 anos encaminhados para as comunidades terapêuticas consomem na sua maioria a canábis”, revelou a direção regional numa resposta escrita enviada à Lusa, acrescentando que “muitos consomem outras substâncias concomitantemente em menor quantidade”.

O número de menores enviados para comunidades terapêuticas foi de cinco em 2020 (ano em que aconteceu o mesmo a 30 adultos), quatro em 2021 (59 adultos) e dois, o mais novo de 14 anos, em 2022 (23 adultos).

A responsável da Arrisca diz que é preciso olhar para o absentismo e abandono escolar, que deixam crianças “vulneráveis a comportamentos de risco”, bem como “para as que estão em famílias disfuncionais, que não estabelecem limites ou são muito autoritárias”.

Dados do Instituto Nacional de Estatística revelam que, em 2020, os Açores tinham uma taxa de 27% de abandono escolar precoce entre os 18 e os 24 anos, enquanto o país atingia os 8,9%. Em 2021, aquela taxa foi de 23,2% nos Açores, quando a média nacional ficou nos 5,9%.

Segundo um estudo de 2019 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) dedicado aos jovens entre os 13 e os 18 anos, os Açores estão acima da média nacional no consumo de álcool, tabaco, droga e outros comportamentos aditivos.

Sílvia Moreira alerta que a adolescência é sempre um fator de risco, por ser uma “altura de não saber gerir as questões emocionais, de experimentar e de curiosidade”. Contudo, “há pessoas fora da idade de risco a começar logo pelas sintéticas, aos 30 anos”.

Para a psicóloga, a “toxicodependência é a doença das emoções” e a região precisa de uma clínica psiquiátrica.

“Nem é só devido ao problema das drogas sintéticas, mas porque há, nos Açores, uma grande faixa de pessoas com problemas mentais, presume-se que até devido à consanguinidade”, alerta.

Enquanto “as várias associações que existem para tratar a toxicodependência dão apoio psicológico”, os “doentes mentais não são tidos nem achados”, lamenta.

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