Alexandra Manes, Dirigente e deputada do BE/Açores

Em maio foi publicada uma notícia, em praticamente todos os órgãos da comunicação social do país, que deu conta de uma decisão inédita por parte do Tribunal da Relação, onde era dada ordem para serem apagadas da praça digital evidências fotográficas e outras referências onde o empresário César do Paço era associado ao político André Ventura.

Tal decisão surgiu na sequência de um moroso processo judicial, que começou com a Grande Reportagem da SIC, onde a relação entre César do Paço e o chega foi exposta, demonstrando aquilo que muitas pessoas já sabiam: o chega não é mais do que um grupo de fracos políticos que estão ao serviço dos empresários mais conservadores e dos seus grupos económicos.

Irritado com as verdades reveladas, César do Paço processou tudo e todos, tendo conseguido, aparente e alegadamente, manipular a verdade, para que desapareça da história.

Entretanto, no fim de abril, realizou-se um Congresso dos Jornalistas dos Açores. Trata-se de um importante momento de reflexão para a nossa região e para os profissionais que nela trabalham.

Num mundo pós-Trump, onde se quer dar à verdade um valor relativo, a profissão de jornalista vive cada vez mais perseguida, tanto por ameaças externas como internas. Foi bonito perceber as discussões que ali se levantaram. Com mais ou menos visão global, todas e todos os que se dirigiram até lá fizeram-no com a responsabilidade de construir uma estratégia comum para o futuro do jornalismo na região.

Até esteve presente um dos responsáveis pela tal grande reportagem que falou de César do Paço, vejam bem.

Com cada vez mais regularidade, vemos políticos, ou representantes de partidos políticos, a atacar ferozmente os jornais e os seus funcionários.

Bolsonaro, enquanto esteve no poder, tinha por hábito insultar venenosamente aqueles que procuravam cobrir os seus comícios de forma imparcial, desmistificando a quantidade crescente de inverdades que o, então, Presidente debitava perante a nação. Contratos de polé, os seus seguidores passaram anos a escrever para os jornais, procurando dar ordens às suas linhas editoriais controlando a forma como as mesmas deveriam passar as mensagens que lhe interessavam. Coisa que se notou num artigo de opinião publicado recentemente no Diário Insular, o qual mereceu resposta por parte do seu Diretor.

O fascismo, em todas as suas vertentes, procura controlar a verdade e moldá-la à sua imagem.

Citando a magnífica obra de Rui Zink, o Manual do Bom Fascista: “Ao bom fascista ninguém chama mentiroso. Não a sua frente, pelo menos, que ele não é menino de se ficar. E como sabemos que são verdadeiras verdades de verdade? Ora, porque ele o diz. E, se o diz, verdades são como punhos.”.

Alerto para o crescente número de fascistas em construção que por aí andam, entre nós. Escondidos atrás do seu fato e da sua gravata, usam a mentira para construir a sua realidade paralela. Vão esculpindo a verdade, até alcançar aquela versão que lhes interessa. E depois partem para cima da comunicação social, porque o objetivo final do mundo de pós verdade que se quer construir passa pelo absoluto controle do jornalista e da sua profissão.

A vigilância não poderá parar agora. A hora é tardia, mas haverá sempre esperança, enquanto houver um Congresso como que assistimos.

Bem-haja a quem lá esteve a quem o organizou e a quem dele irá partir para um mundo melhor.

Fiquem ainda com uma recomendação de leitura para esta semana: o mais recente livro da Coleção Biblioteca P, do Público, que já está disponível no site, por um valor muito em conta, considerando a qualidade da obra.

Para quem nunca leu, Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado, vale a pena. Termino referindo que nós somos da medida dos nossos inimigos. E eu não quero ser do tamanho deles.