Opinião: Carlos Silva | O que os Açorianos podem perder com a privatização de 85% da SATA Internacional?

A SATA voltou a estar no centro das atenções dos Açorianos nas últimas semanas, por motivos diferentes, mas todos eles de grande relevância para a Região.

Em pleno processo de reestruturação do Grupo SATA e preparação do caderno de encargos para a privatização da SATA Internacional, ficamos a saber que o seu Presidente, Dr. Luís Rodrigues, aceitou um convite “irrecusável” para liderar a TAP, com efeitos já em abril. Sem esquecer que, um mês antes, já tinha saído o Administrador responsável pela área operacional, também para uma empresa do Grupo TAP.

Além das mudanças verificadas na composição do Conselho de Administração, que perdeu dois terços dos seus executivos, e dos resultados negativos, conhecidos pela Administração e pelo Governo, mas ainda não divulgados, o caderno de encargos para a privatização da SATA Internacional tem suscitado muitas dúvidas e preocupações.

Mas afinal, quais os motivos que justificam tanta incerteza, receios e riscos para os trabalhadores da SATA, para a mobilidade dos Açorianos e para a Região Autónoma dos Açores?

Desde logo, porque os Açorianos merecem saber o que foi exatamente proposto e negociado pela Administração e pelo Governo Regional com a Comissão Europeia, até porque a informação que está publicada é incompleta e omite dados e matérias absolutamente cruciais.

Em segundo lugar, porque o Governo Regional entregou, de bandeja, nas mãos da Administração da SATA (entretanto remodelada) toda a liderança e implementação do cadernode encargos para a privatização, sem acautelar o interesse regional e sem sequer assegurar um amplo processo de discussão pública e concertação com partidos políticos, parceiros sociais e representantes dos colaboradores (a tal humildade democrática).

Será que os objetivos da Administração da SATA com a privatização são totalmente coincidentes com o interesse dos Açorianos, de Santa Maria ao Corvo? Será que os trabalhadores da SATA concordam com possibilidade de existirem despedimentos ao fim de apenas 30 meses? Será que os Açorianos, depois do investimento que foi feito, estão dispostos a abdicar da manutenção da sede nos Açores ou da sua mobilidade para o continente e para a diáspora? Estes são apenas alguns exemplos do que poderá estar em causa com a venda de 85% da SATA Internacional.

É por isso que não nos parece sensato e estratégico avançar já com privatização da Azores Airlines, sem antes proceder a alterações profundas no caderno de encargos, que acautelem o interesse regional.

Desde logo, a opção da Administração e do Governo Regional em vender, já este ano,até 85% do Capital da SATA Internacional – Azores Airlines, quando o que foi aprovado pela Comissão Europeia foi a alienação de 51% do capital, e até ao final de 2025.

Ao ficar com apenas 15% do capital, uma posição quase residual, o Governo Regional deixará de ter qualquer controlo e influência sobre decisões estratégicas, como as rotas, frequências, recursos humanos ou até a manutenção da sede nos Açores.

Igualmente preocupante é o facto de o Governo Regional não acautelar, no caderno de encargos, a manutenção da sede e direção efetiva da SATA Internacional na Região Autónoma dos Açorespor um prazo superior a 30 meses, bem como do Certificado de Operador Aéreo na titularidade da empresa após os 3 anos, o que suscita sérias dúvidas sobre a continuidade e futuro da empresa.

Mesmo em relação à manutenção dos postos de trabalho, o caderno de encargos é pouco “amigo dos trabalhadores”, uma vez que a Comissão de Trabalhadores da SATA emitiu parecer negativo ao documento, por considerar que o prazo mínimo de dois anos e meio para evitar despedimentos coletivos ou a extinção de postos de trabalho é demasiado curto e pouco sensato, face ao prazo de 10 anos indicado como referencial de estabilidade.

Até a mobilidade dos Açorianos pode ficar seriamente comprometida, uma vez que o caderno de encargos não assegura a manutenção das rotas entre os Açores e o Continente e entre os Açores e a Diáspora após os 30 meses, rotas consideradas estratégicas para a Região e até para o crescimento do turismo e da própria SATA Internacional.

A tudo isso, soma-se ainda o erro estratégico do Governo Regional em colocar o futuro da SATA e dos trabalhadores nas mãos da Administração, ao permitir que esta conduza todo o processo de elaboração do caderno de encargos e até de negociação e decisão sobre a aprovação das propostas vencedoras.

Em conclusão, o caderno de encargos para a privatização de até 85% da SATA Internacional deixa os Açorianosà mercê dos interesses da Administração e deinvestidores, sem acautelar o interesse regional, sem assegurar a manutenção dos postos de trabalho, sem assegurar a continuidade da SATA e sem garantir a mobilidade dos Açorianos.

A ânsia em privatizara qualquer custo é tanta, que este mais parece um caderno de encargos para o desmantelamento da SATA Internacional.

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