Opinião: Rui Teixeira | Na morte de um ministro de Salazar e no negócio da doença

Quase há uma semana morreu Adriano Moreira. Não iria falar disso, para respeitar o direito ao luto. Mas quando assisti a uma tentativa de branqueamento tão grande, não pude ficar em silêncio!

Adriano Moreira foi ministro de Salazar durante a ditadura fascista. Foi ele que mandou reabrir o campo da tortura do Tarrafal. Por isso, foi responsável pelas famílias separadas, pelas mortes, pelas inúmeras torturas e sofrimentos. Para o campo de concentração foram morrer antifascistas, pessoas que apenas queriam a liberdade, a democracia, o desenvolvimento do país, poder falar livremente.

Adriano Moreira fez parte de um regime ditatorial que deixou os Açores no esquecimento, marcado pela pobreza e pela fome. Foi responsável pelos Açorianos que morreram na guerra colonial. Não se arrependeu de nada disso. Elogiá-lo é insultar a memória de todas as vítimas, de todos os que morreram. É insultar a memória do jovem micaelense assassinado da varanda pela PIDE no dia 25 de Abril, quando estava na rua a exigir liberdade. É insultar os Açorianos que passaram fome e frio durante a ditadura fascista.

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Este branqueamento de Adriano Moreira não é original. Durante quase 50 anos aconteceu o mesmo com agentes da PIDE, ou com o ministro da educação de Marcelo Caetano, Hermano José Saraiva, que ordenou as violentíssimas cargas policiais sobre os estudantes que se manifestavam de forma ordeira, bem como a repressão nas universidades portuguesas. Recentemente, a RTP decidiu fingir que o último diretor da PIDE não tinha sangue nas mãos, não mandou matar nem torturar. E podia continuar os exemplos.

Esta limpeza do fascismo tem perigosíssimos custos políticos. E é algo que está a ser feito por toda a Europa. Só assim se compreende a ascensão de governos de extrema direita, ou mesmo fascistas, como na Hungria ou em Itália, para não ir mais além.

O respeito por quem morre e pelas suas famílias, que sofrem, não pode ser feito à custa da democracia. E há coisas que são incompatíveis: quem é ministro em ditadura não pode ser chamado de democrata. E, por mais voltas que se dê, um povo sem memória é um povo sem futuro!

Mudando de assunto: em política, não há coincidências. Na semana passada anunciou-se a venda do chamado Hospital Internacional dos Açores – eufemismo para hospital privado – à CUF, grande grupo privado do negócio em torno da doença. Na mesma semana, o presidente do governo regional partilhou várias ideias, nesse mesmo hospital. Resumindo tudo, é isto: vão continuar a crescer os apoios públicos ao negócio privado com a doença.

O que foi assim anunciado pelo governo regional, pela boca do seu presidente, é que, na prática, vai continuar o desinvestimento no serviço público de saúde, nos hospitais, nos centros de saúde, nos exames de diagnóstico, nos utentes e pacientes, nos médicos, nos enfermeiros, nos auxiliares. O que foi anunciado é que não virá qualquer aposta na saúde dos Açorianos. O que foi anunciado é que entre a saúde e o lucro privado, o governo regional prefere o lucro privado. E assim o governo aposta na doença, porque é ela que dá lucro aos negócios privados. Como, aliás, o PS sempre fez!

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